sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Elefante





O elefante


Fabrico um elefante de meus poucos recursos. Um tanto de madeira tirado a velhos móveis, talvez lhe dê apoio. E o encho de algodão, de paina, de doçura. A cola vai fixar suas orelhas pensas. A tromba se enovela, é a parte mais feliz de sua arquitetura. Mas há também as presas, dessa matéria pura que não sei figurar. Tão alva essa riqueza a espojar-se nos circos sem perda ou corrupção. E há por fim os olhos, onde se deposita a parte do elefante mais fluida e permanente, alheia a toda fraude.


Eis o meu pobre elefante pronto para sair à procura de amigos num mundo enfastiado que já não crê em bichos e duvida das coisas. Ei-lo, massa imponente e frágil, que se abana e move lentamente a pele costurada onde há flores de pano e nuvens, alusões a um mundo mais poétio onde o amor reagrupa as formas naturais.


Vai o meu elefante pela rua povoada, mas não o querem ver nem mesmo para rir da cauda que ameaça deixá-lo ir sozinho. É todo graça, embora as pernas não ajudem e seu ventre balofo se arrisque a desabar ao mais leve empurrão. Mostra com elegância sua mínima vida, e não há na cidade alma que se disponha a recolher em si desse corpo sensível a fugitiva imagem, o passo desastrado mas faminto e tocante.



Mas faminto de seres e situações patéticas, de encontros ao luar no mais profundo oceano, sob a raiz das árvores ou no seio das conchas, de luzes que não cegam e brilham através dos troncos mais espessos. Esse passo que vai sem esmagar as plantas no campo de batalha, à procura de sítios, segredos, episódios não contados em livro, de que apenas o vento, as folhas, a formiga reconhecem o talhe, mas que os homens ignoram, pois só ousam mostrar-se sob a paz das cortinas à pálpebra cerrada.


E já tarde da noite volta meu elefante, mas volta fatigado, as patas vacilantes se desmancham no pó. Ele não encontrou o de que carecia, o de que carecemos, eu e meu elefante, em que amo disfarçar-me. Exausto de pesquisa, caiu-lhe o vasto engenho como simples papel. A cola se dissolve e todo o seu conteúdo de perdão, de carícia, de pluma, de algodão, jorra sobre o tapete, qual mito desmontado. Amanhã recomeço.

Carlos Drummond de Andrade (Em: A Rosa do Povo)

Homenagem a Waldick Soriano

Se ser brega é ser feliz quero ser brega até morrer

Esse texto não vislumbra um caráter descritivo, tampouco qualquer narrativa aqui presente pretende limitar a grandeza de um Caetiteense que marcou a história da música nacional. Constitui apenas uma homenagem expressa a Eurípedes Waldick Soriano, nascido em 13 de maio de 1933 em Brejinho das Ametistas, na cidade de Caetité, e eternizado em nossos corações.

Conhecido nacionalmente como o rei do brega, Waldick estreou uma vida boêmia e se orgulhava de ser um rapaz bastante namorador. Não conheci Waldick pessoalmente, mas falo com propriedade que ele deixou fãs eficazes na transmissão contraditória dos seus sentimentos mais exóticos e, ao mesmo tempo, bastante comuns. Suas músicas cantadas, avidamente, não me deixaram “esquecer” desse fenômeno da música brasileira. Dentre os seus fãs está a minha avó que, a título ilustrativo, aos 75 anos, em maio 2007, (para ser mais precisa, no dia 26) foi até a AABB de Caetité, apreciar seu conterrâneo.

A procura de fundamento teórico para escrever esse texto, li em alguns lugares que “na sua cidade natal, Waldick sempre foi tratado com certo menosprezo”; o que, de certa forma, admirou-me, pois, ao contrário, em minhas lembranças ficaram as cantorias, rodas de violão e luais ao resgate ao bom o velho brega. No entanto, apesar da minha jovem memória não ter presenciado essa fase de repúdio à música “Waldickiana”, fico feliz em saber que pudemos nos retratar a tempo e demonstrar a grande admiração pelo seu trabalho, carisma e criatividade.

Alguns dizem que ele é cafona, outros, original, muito embora o importante seja que, mesmo em face a tantas dificuldades, retaliações e preconceitos, Waldick transgrediu. E transgrediu com alegria e com paixão; para muitos, transgrediu mergulhado em uma intensa “dor de cotovelo”. Cabe aqui, além do silogismo implícito no título, um axioma: a saudade é a presença do que se faz ausente.

Você não virou viaduto Waldick, me alegra ver que Caetité ainda não cresceu a esse ponto, mas virou rua (Avenida Waldick Soriano), virou lembranças, virou saudade, virou música. E, mesmo não tendo a certeza em saber para onde vai uma música após o acorde final, hoje sabemos “QUEM ÉS TU” e nos orgulhamos em dizer que ÉS um dos filhos ilustres de Caetité e queremos que a sua “dor-de-cotovelo” doa por muito tempo em nossos ouvidos. “Waleu” Waldick.

Saudades.


(Ana Míria Carinhanha)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

sen TI do

"A arte emana do corpo e da mente. Transmite o sentir desde sua forma mais primitiva da não matéria àquilo que se torna tangível através das percepções." (Ana Míria Carinhanha)