sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ave, Dona Bezinha!

Em seu rosto as marcas além da idade.
No meu rosto o saudosismo e a reverência à sabedoria que não se encontra em livros.
Os anos rompem depressa e hoje seus traços transcendem a beleza estética e ultrapassam a perfeição.
Metafísica apresentada em seus olhos: contadores de lembranças, heranças, doenças, crenças, perdas e vitórias.
Mito vivo de amor e perseverança.
Ressurreição de uma verdade contada em erros e acertos.
Sim, vale a pena viver e aprender, SEMPRE!
Ave, Dona Bezinha!


Ana Míria Carinhanha

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Aulas de matemática.

Do andar de cima da biblioteca o vi dormindo na poltrona do saguão como uma marionete sem o seu manipulador. O pescoço parecia o eixo Y do plano cartesiano, buscava o chão para fincar a cabeça. A vontade que eu tive foi de parar a aula de matemática e ir chorar no banheiro para não fazê-lo na frente da criança.
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Mas o pior momento aconteceu quando ela avistou o pai lá embaixo naquela situação, esperando que a aula acabasse para que pudessem ir embora, e olhou para mim com tristeza, e riu sem graça como se me perguntasse se eu estava vendo.
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- Vamos lá, vamos lá. A prova é amanhã, vamos tentar terminar pra você poder ir embora com o seu pai.
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Fiz o meu papel de “professora” e voltamos às tarefas com a intenção de ignorar o que estávamos vivendo. Batalha de Dom Quixote: ela não se concentrava. “1 X 1 = 2”, “3/2” divididos por “4/5” nunca se aproximavam de “15/8”, a simplificação era uma tortura, as equações então, nem se fala, o “X” virava “%#X*!&”, e o pior é que eu sabia que ela sabia aquilo tudo. Já tínhamos feito exercícios bem mais difíceis outras vezes.
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Confesso que eu estava mais ansiosa para aquela aula acabar do que a própria criança. Não duvidava da minha capacidade de “ensinar”, muito menos da inteligência do aprendiz, mesmo se tratando das arbitrariedades da matemática. Mas o que mais me doía era saber ser praticamente impossível aquela cabecinha se concentrar em números quando a mãe estava doente em outro país.
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Mas eu não podia desistir, o apelo daquele pai, agora pai-mãe, me pedindo para ajudá-lo com a filha para que ela não perdesse o ano me trouxe um compromisso que fiz questão de cumprir. Moribundo, cansado, triste, arrasado, no entanto, dedicado, esperançoso, responsável. Como o admirei naquele momento!
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Fiz todo esforço que pude para ajudar. Fizemos mais alguns exercícios, corrigi algumas outras questões, tiramos algumas dúvidas e encerramos mais de uma hora depois do previsto. O rendimento estava péssimo e, pra piorar, por conta do atraso, a aula de teatro já era. E parece que ela não se importou muito. Na verdade, com a confusão que deve estar na cabeça não devem ter outras coisas que importem tanto quando a saúde da mãe e a idéia de ter que mudar de país de novo.
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Descemos as escadas comentando que era preciso mais concentração e organização, os espaços oferecidos para resolver as questões eram muito pequenos, principalmente para uma criança ainda não tão limitada quanto os adultos. Lá embaixo repeti o mesmo discurso para o pai e desejei boa prova.
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Seguimos juntos até a parte em que o caminho bifurcava para os nossos destinos tão diferentes, mas com o pensamento na mesma pessoa. Para eles uma mãe, uma esposa, para mim uma amiga.
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No dia seguinte a ligação esperada. Ela não tinha ido muito bem na prova. "Precisaremos de mais encontros", disse-me o pai. Isso eu já imaginava e expliquei mais uma vez: ela sabe o assunto, mas está desestimulada, desconcentrada, errando coisas simples que já fizemos uma centena de vezes. A cabeça dela deve estar um turbilhão, é preciso ter paciência.
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Do outro lado da linha o desabafo daquele pai me dilacerava em pedaços cada vez menores e que pareciam se afastar dificultando um reagrupamento que permitisse uma estabilidade mínima para organizar uma resposta. Senti-me impotente diante da dor que também sentia, mas no caso dele elevada a uma potência bem maior.
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Além do medo da filha perder de ano num contexto tão turbulento, da tristeza de estar longe da mulher que ama, e de ter que exercer as funções suas e dela, da probabilidade de ter que mudar de país de novo, e de todas as incertezas decorrentes disso tudo, somavam-se os recém conhecidos problemas burocráticos envolvendo a viagem que iriam enfrentar em breve: necessidade de uma autorização que custaria mais de 500 km viajados até a embaixada brasileira, por uma pessoa recém operada, para que ele pudesse viajar com os próprios filhos.
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Não hesitei e, com o mínimo que pude, prontamente me dispus a ajudar uma, duas, três, quantas vezes fosse preciso. É claro que torcendo para que não fossem tantas, primeiro, pelo motivo óbvio da vontade de não precisarem mais de “aulas de reforço”, e agora pela tristeza que sentia e ainda não conseguia controlar diante da situação.
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Queria retribuir de alguma forma todo o carinho que eles tinham por mim, desde o pequenininho, fazendo questão de passear no meu colo pelas ruas do centro histórico, ou segurando a minha mão ao sair do teatro, ou me pedindo para tocar para que ele pudesse dançar, ou me contando de como ele jogava bem capoeira e futebol; à minha “aluna” adolescente tagarela que me chamava de chata, e queria falar sobre tudo, e dizia que eu era má por fazê-la fazer cada vez mais exercícios e não dar as respostas com a moleza que ela queria, mas me ligava contente no dia seguinte dizendo que tinha tirado a maior nota da sala, radiante, agradecida, e me chamando de cdf; ao pai que ligava agradecendo e marcando as “novas” aulas porque a primeira prova da unidade nunca era boa o suficiente para dar-lhe segurança, ou quando me convidava para almoçar; à minha colega que me acolheu como mãe, me aconselhava, e me acompanhava nos trabalhos da faculdade, e ria das minhas presepadas, e agora, em outro país, numa situação tão delicada, ainda encontra tempo para me dizer que sente saudades.
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Amiga, sinto sua falta! Estou triste. Não esperava que essas férias de inverno fossem nos trazer tão ingrata surpresa. Mas te espero com a alegria de quem tem fé e acredita nos bons ventos. Um beijo.
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Com carinho,
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Ana Míria.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Grata!

Obrigada a todos que compreenderam minha instabilidade e falta de lucidez.
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Obrigada àqueles que me ajudaram com os prazos da selva, ainda que eu tenha falhado em muitos deles.
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Muito obrigada aos que respeitaram a minha debilidade, contudo, sem deixar de mostrar os muitos caminhos que estão ao meu redor.
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Estava com os olhos turvos e confesso: às vezes as lágrimas voltam a me cegar.
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Mas hoje só quero agradecer aos que acreditaram/acreditam em mim e me acolheram com ternura.
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Aos que me sacudiram e me convidaram a um momento de auto-crítica difícil, mas necessário.
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Aos que simplesmente me amaram no silêncio de sua insegurança, sem as tão famigeradas palavras certeiras, mas com braços prontos para me amparar.
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Aos que sorriram, aos que brincaram, aos que brindaram mesmo sem saber que por dentro eu me desfazia em tristeza.
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Obrigada aos enunciadores das palavras certeiras, ainda que eu não as tenha escutado e incorrido no erro uma, duas, três, quatrocentas vezes mais.
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Obrigada pelas ligações, e-mails, mensagens, cartas, poemas, músicas, olhares, orações.
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Estou grata aos que se preocuparam comigo sem expectativa de retorno, mas confiantes na minha "reabilitação".
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Agradeço aos que sentiram a minha ausência e fizeram questão de se livrar dela.
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Sem grandes promessas, sinto que estou voltando.
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Com o peito rasgado e ainda muito ferido, olhos marejados, cabelos despenteados, pés vacilantes, mas dispostos a caminhar.
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Hoje me sinto feliz por ter reconhecido em vocês novamente outros muitos amores.
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Obrigada.
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Ana Míria Carinhanha

domingo, 8 de agosto de 2010

Escute o conselho de quem nem te conhece direito.

O jeito é dizer com a cara o que não pôde dizer com palavras.
Ela te ama infeliz.
Melhor, ela te ama, INFELIZ!
Faz-se de besta?

Escuta o conselho de quem nem te conhece direito.
Não ponha à prova essa menina que ter quer tão bem.
Ela não vai adivinhar o que você deixou “não-escrito” nas entrelinhas.
Deixa tudo bem claro: que você também a quer.

Isso é o que penso.
Mas se você não escuta quem te quer bem e já disse isso com todas as letras.
Não vai ser a mim que você vai ouvir.
Se nem te conheço direito.

Vai saber...
Essa gente estranha que não mais se abraça
Que tem medo do outro
E tem medo de se sentir só.

Se são eles próprios que se afastam.
Tornaram a si mesmos intocáveis.
E sentem falta da pele, do cheiro, do calor.
Falta ou excesso de humanidade?

Querem domar os instintos.
E se “reificam” cada vez mais.
Querem fugir dos abismos.
Mas aumentam a distância entre si.

Onde foi parar toda aquela racionalidade!
Ignoram por ignorância.
Temem tanto a solidão,
E conseguem temer mais a si mesmos.

Vai saber...
Quem sabe alguém me escuta.
As beatas ou as putas.
E escutam o conselho de quem nem as conhece direito.



Ana Míria Carinhanha.

Da discutibilidade das formas à imortalidade da palavra.



"Demorar-se na leitura e saborear as palavras é um luxo que poucos têm ou se dão na atualidade". A globalização trouxe junto com os analfabetos, diferentes tipos de leitores que agora precisam acompanhar o ritmo frenético das relações.

A velocidade impressa por esses novos tipos de relação moldaram os novos leitores. Mudanças históricas como a revolução industrial; revolução tecnológica e a própria “evolução” econômica condicionaram os leitores a um ritmo muito mais esquizofrênico do que eles são capazes de assimilar.

O bombardeio de notícias e os “assuntos do momento” revelam a mudança da produção com relação a sua quantidade, que aumentou, e à sua qualidade, que diminuiu. Mas por outro lado é preciso louvar o aumento significativo daqueles que passaram a escrever, não necessariamente em palavras, mas a exteriorizar suas formar de ler o mundo, que antes eram mais restritas e arbitrariamente selecionadas. Não que tenham deixado de ser, mas precisamos pontuar que essa situação melhorou bastante.

Voltando! Não só os objetos de leitura mudaram de perfil, como os próprios leitores. Mais do que nunca, ler é também consumir, e como se consome, se lê. É perceptível que a leitura está em quase todos os lugares habitados (naqueles em que é interessante para os emissores que a sua mensagem chegue). Mesmo que uma pessoa saia de casa disposto a não ler (absolutamente nada), esta o fará (desde que saiba, ou ainda para além da leitura escrita) em outdoors, propagandas de TV, filmes, e-mails, etc...

A contemporaneidade oferece ao leitor inúmeros signos a serem lidos, e este o faz, muitas vezes sem nem perceber. Para além das arbitrariedades institucionalizadas da língua escrita, precisamos discutir nossos códigos de comunicação. Eles estão por si, fora e dentro das nossas casas, nos dizendo muitas coisas que não filtramos, e, por isso, não as discutimos, e, por isso, as não questionamos.

A revolução tecnológica trouxe várias possibilidades inovadoras para a comunicação, dentre elas recursos de áudio e vídeo nunca antes imaginados. Hoje é possível e “real” assistirmos, ao vivo, a um evento que ocorre a milhares de quilômetros de distância, pode-se pensar que em milésimos de segundo a TV, o rádio, a internet e as redes telefônicas atingem milhões de espectadores. Como pensar então a sobrevivência da palavra em meio a todas as maravilhas da atualidade?

Simples, a palavra também é uma maravilha. A palavra materializa e, principalmente, ela se adéqua aos meios de comunicação: da carta manuscrita ao e-mail digitado (que não deixou de ser escrito à mão, mas que agora também pode ser ditado). Estar com o que se lê em mãos é poder recorrer à idéia sobre a qual se lê, seja por meio de papéis, computadores, ou recursos outros de “áudio e vídeo”.

É preciso, no entanto, refletir sobre esse novo modelo de leitor e de leitura. É certo que os novos signos e suas combinações permitem infinitas possibilidades interpretativas, de exposição, e, o mais importante, de expositores, mas, juntamente a essas novas possibilidades, as informações vêm de forma efêmera e fullgás.

Esse processo é capaz de trazer ao homem inúmeras informações de diversas formas, mas esse mesmo homem não está sendo capaz de filtrá-las. Falta tempo para experienciar aquilo que lhe foi informado. A procura por saber de tudo, ou um pouco de tudo castra as possibilidades de vivência e reflexão. Isso tem tornado os discursos vazios, meros reprodutores.

De fato, não acredito que o ipad irá desbancar o bom e velho livro, mas, para além do ritual da leitura materializada em tinta e papel, acredito que convém discutirmos também a arbitrariedade da língua escrita e o seu processo de institucionalização, bem como a efemeridade das informações veiculadas em meios oficiais, e, mais ainda, a democratização dos meios de comunicação e o processo de castração que vêm sofrendo sob discursos maquiados.

Desculpem a contradição de alguém que sabe da existência das infinitas possibilidades de leitura e que aqui ainda se priva comunicar sob o instrumento da palavra escrita. Mas prometo que nos vemos por aí em outras formas e sem tantas formalidades. Sobre as promessas, leiam meu último cigarro (está num desses textos anteriores).

Ana Míria Carinhanha.

Tá na rede! E agora a culpa é da internet!



Como utilizar bem as redes sociais virou assunto principal nas entrevistas com jogadores de futebol, de comentarista de programa esportivo na TV, e de mais um monte de gente que não se atentou (alguns propositadamente) para a explosão das discussões sobre a internet antes mesmo da confusão causada pelos meninos do Santos.

Há muito tempo as discussões sobre a internet vem sendo travadas no campo acadêmico e também jurídico. A ânsia por regulação apresenta-se agora como mais uma tentativa de conter esses fluxos de informações desequilibrados pelas redes.

Nada cai melhor para essa situação quanto o dito popular que diz ser necessário olhar para as duas faces da moeda. Infelizmente temos o hábito de demonizar as coisas quando elas fogem do nosso controle sendo que nós mesmos as produzimos e colocamos à disposição.

Todo o conteúdo disponível na internet foi colocado lá por alguém.

A internet é o espaço "i"material em que as pessoas, e ninguém ou nada além delas, falam, escrevem, catam, encenam o que pensam. É o espaço onde podem atuar sem a castração dos veículos de mídia convencionais. Com exceção é claro daqueles lugares que ainda não "suportam" ou já demonizaram de modo preventivo os perigos da rede.

Bem ou bem, a internet representa a democratização da informação. Se, de fato um jogador de futebol gasta mais com a ração do cachorro do que um torcedor recebe de salário por mês, o erro não está em ele exteriorizar isso, muito menos a culpa é da internet, mas dos homens que acham normal a concentração de renda, os salários milionários do futebol e a miséria dos proletariados convencionais, e dos que permitem isso sob a condição de um discurso velado e hipócrita.

A internet assim como toda técnica em si não é maléfica. São elementos condicionados a práticas em que o homem é o ator fundamental na determinação da finalidade à qual se destinam.

O que Ronaldo pensa sobre as férias de Felipe Mello depois da copa do mundo é o que Ronaldo pensa sobre as férias de Felipe Mello depois da copa do mundo. É claro que a exposição midiática e o endeusamento de alguns personagens por essa mesma mídia fazem desses personagens fortes formadores de opinião da população em geral, mas, de novo, isso não é culpa da internet, é culpa da ética utilitarista da mídia.

A internet não é capaz de se auto-determinar. Ao mesmo tempo em que oferta novas possibilidades de comunicação, inovação tecnológica, também é através dela que vinculamos vírus, e possibilitamos o cometimento de agressões despersonalizadas. Temos o hábito de dizer que a internet encurta distâncias ao passo em que torna os homens mais solitários. Mas não vemos que não é a internet que faz isso, somos nós, os homens.

A despersonalização dos homens e a personalização da internet é que é danosa, e não a abrangência da técnica informacional. O homem é que tem a capacidade de se auto-determinar e decidir o que fazer ou não com determinado instrumento.

A insegurança “provocada pela rede” é divulgada na mídia com o objetivo de nos fazer temer a internet, quando na verdade são os homens determinados que querem se fazer temer (e se fazem através dos seus discursos) de forma bastante direcionada ideologicamente, e, por isso, divulgam, reiteram e exploram esses medos que, de quebra, ainda são rentáveis.

Espero que a “vontade de correção” dos homens que dominam os poderes das leis não pretenda conter esses fluxos de forma anacrônica, ineficaz e descartável, mais uma vez. Querem calar, de novo, com restrições, força e coerção os que “falam o que querem sem medo de serem punidos”. O discurso da correção pela punibilidade também precisa ser discutido, não serve mais de parâmetro para justificar a coerção por si mesma, que não deixa de ser uma violência. É por isso que ainda vivemos regidos por uma legislação do pânico.

Espero que a exploração desse medo não se torne motivo para restringir de forma sorrateira mais um meio de comunicação que hoje amplia nossas possibilidades de democracia. Querem calar quem nunca teve a oportunidade de falar enquanto discursos bem mais violentos são exibidos em “horários nobres” por emissoras autorizadas via concessão pública.

Não que os telespectadores ou usuários das redes sejam ingênuos, mas os discursos veiculados são muito bem costurados, articulados, e ideologicamente direcionados, além de terem o poder seletivo de escolher o que sai e o fica “no mundo real”. Os petiscos de realidade divulgados cotidianamente acabam construindo os nossos pratos principais. Além de interferirem no “menu” ainda escolhem a nossa sobremesa.

E é não só por esperar, que hoje, através da internet, eu me manifesto com liberdade, a favor desse instrumento facilitador, quando muito provavelmente em outros meios de comunicação eu não tivesse abertura para me manifestar dessa forma.


Ana Míria Carinhanha.

sábado, 7 de agosto de 2010

Também quer fazer ciência?

Então falemos da famigerada ciência, seus postuados e seus autores.
Invoquemos neutralidade e objetividade quase que como sobriedade:
-Respeitem os seus mestres.
-Você aí, cale-se! Deixe de blasfêmias, não pode dizer isso, não quero nem escutar. Quem é você? Como quer discutir comigo? VOCÊ SABE QUEM EU ESTOU CITANDO?
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As firulas e os diplomas são bem quistos pelas bocas e prateleiras.
Distinguir grandes teorias e as falácias implica em saber, preliminarmente, quem são seus autores. E não se iludam, na academia isso acontece bastante. A respeitabilidade do mestre (por medo ou admiração) e a necessidade de se justificar conta mais que a justificativa.
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Catequizados, domesticados, prontos para repetir, reproduzir os grandes enunciados, tornaram difícil e, ao mesmo tempo, glorioso o aparecimento dos gênios que conseguem superar os grandes discursos; e também dos marginais que tentam desbancar esses novos gênios. Romper com esse ciclo quando ainda não se tem os super-poderes da autoridade do discurso é uma tarefa árdua que nem todos conseguem realizar.
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É curioso perceber que conseguimos superar esse problema quando falamos, por exemplo, de Aristóteles ou Monteiro Lobato. Sabemos diferenciar a validade dos seus argumentos e a credibilidade de sua literatura frente a resquícios de preconceito ou imperialismo existentes em sua história. Mas somos incapazes de nos indignar contra as perseguições penais que sofrem as parteiras e curandeiras por praticarem as ações que praticavam antes mesmo da vigência do Código Penal ou da “evolução” das práticas medicinais alcançarem o seu contexto social.
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Convencimento, racionalidade, imposição. Vaidade, força, poder, capacidade argumentativa. Que relação você enxerga existir entre eles? Saber “mais e melhor” sobre algo numa sociedade tão diferente como a nossa implica admitir que as opiniões também são diferentes. O conhecimento não é único, não existe só uma verdade que leva à vida. E nem o erro é um monstro a ser evitado, ele faz parte da “tentativa de ciência”, e não pode ser expurgado a mercê da comodidade dos paradigmas estabelecidos, ou da insegurança provocada pela mudança.
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Tanto quisemos “diagnosticar” o conhecimento, a metodologia científica, os seres, as coisas, os sentimentos, e reduzir tudo isso em fórmulas e em teorias infalíveis que negamos, cada vez mais, os sujeitos. Mais cedo ou mais tarde teremos que admitir o nosso equívoco, até mesmo nas nossas constatações mais cartesianas.
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Parece que Voltaire não deixou bons seguidores. Temos nos esforçado cada vez mais em aprender artifícios para tratar de forma eufemística a nossa incapacidade em ouvir uma opinião divergente da nossa. Insistimos em fechar as portas e janelas fechadas para testar ver a potência das nossas lâmpadas quando sabemos que a luz do sol lá fora ainda ilumina melhor. Temos noção do perigo de trancar essa casa quando o assunto é ciência? Emoldurando nas mesmas formas, repetimos as mesmas fórmulas, e, conseqüentemente, reproduzimos os mesmos valores, muitas vezes rasteiros e preconceituosos.
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A ingenuidade consiste na idéia de admitir uma ciência isenta. Como um palco a ser iluminado por um holofote, a ciência também escolhe, seleciona onde será mirado o canhão de luz e também a parte que ficará na escuridão. Ao contrário do que querem nos fazer acreditar, a ciência é feita de vários verbos que vão além da objetividade e da imparcialidade mencionada (selecionar, excluir, incluir, valorar...). Sim, valorar! A menção sobre a neutralidade epistemológica foi a ejaculação precoce da ciência. É impossível que o sujeito se anule completamente diante de uma pesquisa ou projeto.
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A ciência nos dá fatias da realidade, se é que ela existe. Problemático é, portanto, que essa realidade seja a “realidade dos mestres”, inquestionável e repetível sob o argumento da falsa neutralidade axiológica no discurso científico. Nessa construção (realidade) existem os mais diversos tijolos (argumentos) e muito cimento (ideologia). E não podemos negar que não há construção sem que tijolos e cimento estejam juntos. Argumento e ideologia andam de mãos dadas. Para fazer ciência, carecemos, portanto, da superação das autoridades.
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Os contextos plurais, a complexidade das relações humanas e a especialização do conhecimento são incompatíveis com a figura do sábio universal. Precisamos, contudo, estar alertas. Não podemos atribuir à capacidade técnica a mesma sacralização que outrora criticamos no prestígio dos mestres.
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De fato, a teoria da objetividade e insetabilidade dos sujeitos não convence mais. Sim, os juizos de valor também estão presentes nos discursos científicos, ainda que por omissão. Mas, como domar os instintos e a ideologia sem corromper o método, a sistematização e o rigor lógico?
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Os juízos de valor estão impregnados de ideologia. Longe de estar fazendo apologia ao atavismo irracional, mas criticando o que temos hoje por ciência, acredito que podemos sim investir na lógica, na reflexão e no método, mas é preciso compreender que eles são tão falíveis quanto a fantasia. Na verdade, o que há é uma fantasia submetida ao rigor do método.
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É impossível saber tudo de tudo, mas do pouco que sei, se é que eu sei, ficam algumas palavras, quase que como um conselho. De fato, não é uma ordem. Até porque não gozo de autoridade para tal. Pensem nisso.
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Ana Míria Carinhanha

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Sextilis

Agosto chegou, Augusto.
Venha ver aqui pela janela
as cores dos pássaros,
as crianças do cortiço.

Abre as cortinas, Augusto,
Me dói tanto te ver tão torto,
desconsertado na vida,
só ferida e desilusão.

Escuta essa música, Augusto,
É daquelas que você gosta,
Estilo Rock and Roll,
com guitarras e distorções.

Venha ver a menina, Augusto,
tropeçou na calçada,
deixou cair o pão,
e ainda ficou com a calcinha de fora.

Você deveria ir a uma festa, Augusto,
ligar para os amigos,
sair desse colchão.
Quem sabe uma outra ideia...

Não vê que já deu, Augusto,
essa sua preguiça na cama,
essa vontade de morrer,
essa escuridão no seu quarto.

E a Roma, Augusto?
O senado, a igreja...
Não quer saber de estudar.
Nem tem mais devoção.

Os soldados, Augusto,
voltaram da guerra.
Tem mais uma terra.
Mais moedas, mais promessas, mais vingança.

As tropas chegaram, Augusto.
Querem te ver.
Trouxeram um testamento.
Falam de uma herança.

Estou falando com você, Augusto.
Desarme esse olhar.
Já é quase noite.
Venha vez as luzes.

Porque me olha assim, Augusto?
Se sabe que não gosto,
E fico com medo
Porque tantos muros?

Falaram de paz, Augusto,
prosperidade, agricultura.
Mas trazem mais armas.
E cancelaram o matrimônio.

A dama, Augusto, venha ver!
Subiu na esfinge,
Largou o cajado,
Transmutou-se em ave.

Solta esse martelo, Augusto.
Tem um poeta te chamando aqui na porta.
Não vai atendê-lo?
Então venha ver o povo pela janela.

Não adianta, Augusto.
Não tem quem te suceda.
Pra quê tanto mármore?
Pega o barro no quintal e pronto.

Batismo de merda.
Estou perdendo a paciência, Augusto.
Vou te fazer um suco.
Abacaxi ou melão?

Está tudo bem com você, Augusto?
Vou fazer de limão.
Mas vê se não dorme.
Vai esperar?

Augusto!
Augustoo!!
AUGUSTOOOO!!!!!!
August-o?

domingo, 1 de agosto de 2010

Olhos equilibristas.

Aqueles olhos marejados convidavam a niná-los. O tamborim puxava o samba e os casais no salão. E eles (os olhos) tentando equilibrar as lágrimas à sua altura. Vontade eu tive, juro, de perguntar se estava tudo bem e se poderia ajudar em algo. Mas faziam tanta questão de esconder a emoção que preferi manter a dissimulada expressão de quem não os via já não vendo por terem se alagado em pranto.

Após alguns segundos mirando os cantos, o teto, o chão; dirigiram-se a mim com o semblante bem mais tranqüilo e um sorriso amarelo como quem procura o buraco para se esconder. Também não entendi o porquê da vergonha. Aquela noite não entenderia nada?

O homem casado que tira a aliança para paquerar a menina; a mulher que conhece a outra e não cumprimenta; a gerente que destrata o garçom por ter fechado a conta para menos (nunca vi brigarem assim quando o erro é para mais); as pessoas que dormem na calçada do largo em frente a um evento suntuoso; e a chuva do lado de fora da minha janela fazendo tudo isso parecer normal.

Não conseguiria dormir com tantas inquietações. Tinha apenas três horas para acordar novamente. Equilibrei os olhos para que as pálpebras pudessem baixar sobre eles num espaço de tempo mais prolongado. Feito, findava-se mais um dia sem a plena compreensão dos acontecimentos. Esses olhos inquietos custam-me o descanso, e confesso, não aprenderam a equilibrar muito bem. Não que devessem, até gosto dessa indisciplina.


Ana Míria Carinhanha