terça-feira, 28 de maio de 2013

As medalhas e as constelações

Aos vinte e oito de maio de dois mil e treze, ela mergulhou no lago da praça da catedral e em meio a todos os olhares curiosos, alguns de inveja, outros de repreensão, ela fazia menção de se presentear com uma medalha. Muitos dos que passaram repetiram para si: que louca! Mas não era loucura, ela se apaixonou mais uma vez.
Não que a paixão de ontem tenha sido menos importante ou que amanhã isso não aconteça de novo, mas é preciso dizer: ela se apaixonou! Por algum tempo não soube reconhecer o que poderia ser esse sentimento de encanto, mas o aceitou como paixão. Algumas pessoas não a levam muito a sério, outras a admiram pelo mesmo motivo, mas a realidade é que ela se apaixona muito.
Demorou a aceitar isso que considera hoje uma qualidade, mas que envolve os riscos de quem mergulha sem saber nadar muito bem. Tem, contudo, uma sorte inexplicável de encontrar por esses mares salva-vidas, icebergs, ilhas, mergulhadores, banhistas casuais, turistas, atletas, desavisados e outros passionais que sempre a ajudam a não se afogar e a chegar em alguma borda.
Descobriu um nado do tipo que ganha medalhas simbólicas, invisíveis, auto-colocáveis, e que valem muito. Está aprendendo também que não adianta contudo só querer se presentear para consegui-las, porque apesar de invisíveis elas pesam mais do que qualquer metal precioso e o mergulhador deve avaliar o peso das medalhas que carrega para poder realizar os próximos mergulhos, pois o risco de se afogar é grande.
Essas medalhas exigem contudo uma renovação constante, elas não duram muito tempo a partir do momento em que são penduradas no pescoço. Tê-las contudo é a maior honra que um mergulhador pode alcançar. Todos querem se por medalhas, mas elas tem um poder mágico de só se deixarem por quando além da vontade, o mergulhador acredita merecê-la e se apaixona por si próprio.
Parece que a pessoa que morreu com mais medalhas no pescoço se afogou na Cidade do Cabo. Suspeita-se que era uma mulher, mas não se pode ao certo afirmar, porque quando uma pessoa que porta medalhas invisíveis morre chove muito e a pessoa se transforma em pedras lisas, uma ou várias, a mesma quantidade do número de medalhas que ela portava, restando no lugar apenas as pedras que refletem forte no céu depois da chuva como uma constelação desconhecida. Nessa noite havia no céu uma constelação de oito mil estrelas.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Sobre aviso!

Se um dia eu te pedir para se calar, não fale. Eu não saberei escutar.
Se um dia eu te fizer chorar, me perdoe. Eu não poderei te compreender.
Se um dia eu disser que não te amo mais, vá embora. Eu não te mereço.
Não me deixe te fazer nenhum mal, fuja para bem longe, me abandone, não atenda as minhas ligações, não abra a porta da sua casa para mim, me exclua de todas as redes sociais, não responda as minhas mensagens, mas, por favor, aceite o meu pedido de desculpas. E se um dia a gente se reencontrar, me pergunte sem ironia: "como vai você?". Se um dia você fizer algo parecido comigo, é assim que pretendo agir!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Gamabetização

Tem gente que a gente consegue ler,
Tem gente que a gente acha que lê
E tem gente que a gente lê errado.
É mais que uma questão de linguagem,
De signos ou de aprendizado.
É uma questão de sensibilidade,
O outro é um texto que só pode ser lido com permissão,
Senão perdemos a humanidade.
Talvez as interpretações até sejam as corretas,
E consigamos fazer um bom resumo e uma conclusão,
Mas é texto interdito, não autorizado pelo próprio texto.
Situação em que não convém apenas ser um bom leitor,
Mas um amante da escrita.

terça-feira, 14 de maio de 2013

"Fale agora ou cale-se para sempre"

Ontem, ainda hoje no Brasil, 14/05/2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução que obriga os cartórios a celebrar casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo.
O que o reconhecimento de um instituto como o "casamento" por uma instituição como o CNJ pode significar para a sociedade e os sujeitos de direito diretamente envolvidos em tal reconhecimento?
Sem grandes pretensões morais, gostaria apenas de provocar duas reflexões: 1) quais os caminhos percorridos até que uma situação de fato seja regulamentada como uma situação jurídica? 2) quais são os modos dessa regulação?
Nosso modelo jurídico dedutivo tem nos induzido à ignorância. Quem souber de algo fale agora, ou fale depois também. Sem ressentimentos.


Quem era aquele homem?

Quis perguntá-lo onde poderia reencontrá-lo, mas não o fiz.
Não tinha muita esperança nos olhos, aquela tristeza fisgou algo em mim.
Mais um sentimento de curiosidade que de admiração, seu silêncio me inquietava.
E não é porque seus olhos eram tristes que demonstravam estar perdidos.
Eles sabiam exatamente o porquê de estarem cabisbaixos.
Não sei se era decepção, resignação, perda, fracasso...
... não consegui ler aquele homem de olhar triste, porém caloroso.
Pelo jeito que me olhava eu percebi que ele entendia as minhas questões.
Via a sua inteligência em seu olhar. Parece idiota, mas é óbvio.
Ele desceu do ônibus e me dirigiu um sorriso como quem quis: não se preocupe.
Essa conversa sem palavras me rendeu mais que a vontade de conhecer a sua voz além do seu sorriso.
Não sei nem a língua que ele fala, não sei nem se ele é mudo, não sei onde ele mora, se tem família, esposa, filhos, se trabalha, qual o tipo de bebida que ele gosta mais...
Poderia inferir várias coisas apenas pelas roupas "normais" que ele usava, e ao mesmo tempo essa "normalização" não me permite ir muito longe em minhas interpretações, até porque o que ele tinha de mais singular era o olhar.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Mimos do sol

Escureceu,
o céu chorava sem medida
e então o sol saiu para buscar-lhe um mimo.
Observei tudo da minha janela,
que menino dengoso esse céu,
não só parou de chorar
como também abriu um grande sorriso
Um arco em cores na íris do firmamento.
Com um mimo desses, quem não sorriria?

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Confissões a Bastos

Quero um lugar seguro
Para guardar esse sentimento que eu descobri contigo.
O coração flamejante, os poros falando,
O pensamento intranquilo embora afagado
Pela saudade que me traz você.

Não chego a ter medo, mas receio o tempo.
Preciso te ver,
Derramar em você esse amor que de mim transborda
Sujando a minha cama, as paredes do meu quarto
Fazendo tudo impuro.

Não me encanta mais a pureza,
Há tempo já não tenho certezas
Às quais eu possa me apegar.
E pelo contrário, a cada dia que passa
Amo mais o perigo, me seduzem mais as tempestades.

Também não somos inocentes nessa história sem culpa.
Os acordes que dedilhamos juntos
Pintaram no hálito da noite uma melodia tortuosa.
Sonhamos cachoeiras,
E discordamos sem perder o romantismo.

Somos poetas e o sabemos.
E só não digo mais, menino,
Porque sinto que me apaixono
E sabes que me entrego, me atiro e tombo
Feito as cordas que soam nas noites insones.

Não te peço refúgio,
Você é a minha perda mais fugidia,
Os meus pecados sem remissão.
E seremos amantes até o fim dos dias
Antes de você dizer eu já sabia.