sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Medo de amar

Era medo
Mas era também amor
Eu só queria fazer um ninho
Para a gente ver a lua da copa da árvore
Que nem passarinho

Sentindo o sereno da noite nas penas
Se aconchegando para se esquentar
Esconder da neblina, cerrar os olhinhos
E abrir só um pouquinho para ver as estrelas a brilhar

Era amor
Mas também era medo
De acordar no outono, a noite ganindo,
Sozinho no ninho, sem copa, sem estrela,
Só o frio e o sereno
Te vendo chorando que nem um menino.

Estrelícia

Havia no céu uma estrela com nome de flor,
Parecia uma esmeralda,
Tinha cheiro de Camomila,
Brilhava tinindo como ferro que descansa na brasa quente, 
Como criança que acorda sorrindo e não conhece problema de gente.

Fazia uma confusão tão gostosa no céu que até Deus parava para olhar. 
Menina mimada, vivia pulando, não deixava nada no lugar.
Rodava que nem um peão de menino, mas era uma estrela.
Brilhando, rodando, correndo e sorrindo.

Tão linda, a dança.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A profecia da terra (Indigenocídio coletivo)

Era carnaval em Brumado, uma cidade no interior da Bahia, e a minha mãe tinha me fantasiado de "índio". Eu não sabia o que era direito, juro que não entendia, mas eu gostava.
Vocês se lembram de Cabral, do "descobrimento"..., da divisão de terras, dos navios negreiros, da escravidão indígena. Lembrou?
Rs... É... vai dizer que você nunca se vestiu de índio ou de português na escolinha? E que não foi engraçado e até divertido. Sei lá...
Pois é, né.
É impressionante como as escolas se preocupam em desenvolver o senso crítico desde cedo, a preservação da fauna, da flora, a valorização da cultura e do folclore. Mas eles esquecem de ensinar muitas coisas, que aquelas histórias eram muito mais reais do que a gente pensava, que os índios eram de verdade, e que também eram pessoas.
É muito romântico, não é? Mas eu demorei para perceber que atrás daquelas pinturas todas existia ALGUÉM.
As coisas vêem mudando. Como? Embranquecimento, catequização  guerras, escravidão, doenças, demarcação de terras, silenciamento, violência, opressão, limpeza étnica, folclorização, RESISTÊNCIA!

Vou contar uma história que vocês já conhecem, mas de uma forma “diferente”:
Fazia sol e abril anunciava o vigor do outono que se desenhava mais belo que a primavera européia, eu não estava lá, mas eu vi.
E nesse mesmo dia de abril “nomearam” a Ilha de Vera Cruz. De lá pra cá mudaram seu nome várias vezes até que decidiram chamá-la de Brasil, acho que agora é definitivo. E assim como nomearam a terra, nomearam as águas, as plantas, os animais, e tudo mais o que se pôde nomear. Dentre os animais nomearam alguns de “índios”. Estes se assemelhavam muito aos próprios portugueses, no entanto, vestiam-se “diferente”, ou melhor, pintavam-se “diferente”, falavam “diferente”, agiam “diferente”, afinal, não eram portugueses, logo, tinham seus próprios hábitos. Mas os portugueses acharam que essa diferença fazia desses animais seres inferiores, então decidiram escravizá-los para usufruir de seu trabalho e da sua riqueza. No entanto, esses animais reagiram e resistiram.
Apesar de toda aquela “diferença”, não estavam acostumados a trabalhar para outros animais nem a serem violentados de formas tão diversas sem saber o porquê. 
Com o tempo os portugueses e a sua "inteligência humana", ajudados por uma "revelação divina", consentiram que aqueles animais possuíssem alma, e viram que existia algo em comum entre eles e os “novos humanos”. Agora, ambos dotados de alma, precisavam interagir para que “os novos humanos do novo mundo” fossem salvos.
Iniciou-se um longo, doloroso e violento processo de civilização, afinal, os portugueses precisavam salvar aquelas almas trazidas de presente da Europa, e elas não poderiam permanecer em um patamar tão inferior, deram-lhes então, além da alma, é claro, uma nova religião, uma nova língua, uma nova fé e aos poucos foram “civilizando” esses seres (e porque não animalizando-os novamente,) ajudando-os a evoluir e a se purificar. 
E nesse processo de purificação eles iniciaram uma faxina, e limparam, limparam com suor, lágrima e sangue várias vidas, limparam as pinturas, limparam as crenças, limparam os dialetos.
E os índios continuaram a reagir, agora dotados de alma e a um passo da civilização e da alfabetização, começaram a aprender os nomes que os, agora "irmãos", portugueses davam às suas engenhocas, aos seus sentimentos, ou à falta deles, aos seus mortos, aos seus vivos, às suas escrituras, ao seu governo, à sua nação, às suas terras, e aos poucos foram preenchendo o grande vazio deixado pela “limpeza” promovida em prol da sua excelência pedagógica européia.
No entanto, alguma coisa deixava uma marca forte e escura: Visível. E essa marca era muito difícil de remover. Acredito que vinha da terra. E aquela terra também escura tinha algo mágico que até hoje não consegui desvendar. 
Hoje me dizem que aquelas terras são da União, que essas são de particulares, mas os índios pareciam não entender de quem era a terra, pois eles é que pertenciam à terra, e não o inverso; eles precisavam da terra para sobreviver, (precisavam da terra, precisam da terra), e não a terra que precisa ou precisava deles.
E precisavam, além das terras, entender o que estava acontecendo, não poderiam os deuses ser tão injustos? O que teriam feito para merecer tamanha desgraça?
Necessitavam agora de novas curas para novas doenças, de novos espaços para novas atividades, de novo vocabulário, de um novo deus que lhes substituíssem os seus deuses. Mas nada era mais necessário que a velha vontade de reagir. 
E reagiram. 
Em meio a tantas necessidades, necessitou-se aprender erroneamente o conceito de justiça, não essa justiça da qual falamos hoje, mas a justiça que dava nome às guerras justas. E então, seria melhor não ser justos. E não foram.
Já dotados de alma e palavras, os índios precisavam também de um ofício, e não faltou quem viesse ensinar; os portugueses se achavam bons professores, mas perceberam tarde demais que erraram no método. Diziam que os índios eram preguiçosos, indolentes, e até agressivos, mas eles só estavam praticando a lição de casa. Os jesuítas viriam corrigir a tarefa, mas como os índios não correspondiam à metodologia daquela escola. 
Resolveram então chamá-los de incapazes. E assim passaram a “protegê-los” e “ajudá-los” a se integrar na sociedade. Criaram leis, órgãos, delimitaram as terras, fizeram de tudo, mas que índios ingratos estes, hein? Não se agradaram. E reagiram.
Não iriam deixar roubar-lhes a identidade. Não eram portugueses, não queriam ser portugueses; não eram índios, não queriam ser índios; não tinham alma, não queriam ter alma; não eram civilizados e não queriam ser civilizados; mas também não eram folclore, não queriam ser folclore. Eram reais, queriam ser reais, e lutaram por essa realidade. Queriam cantar, lutar, manifestar-se através da sua língua, seus costumes, seus deuses. Queriam apenas ser o que eram antes dos intrusos chegarem. 
E regiram.
Hoje, depois de tanto tempo, tanta luta, me questiono se o mito do bom selvagem ruiu. E o do mau selvagem? Será que esses preconceitos vão ruir? Ou será que vão continuar nomeando outras formas de preconceito... 
Pergunto-me também se eu conseguiria resistir tanto, se seria capaz de reagir frente a tão diversas formas de violência. Ainda acho realmente que existe um mistério que não serei capaz de desmistificar, mas acredito que venha da terra, não essa terra que vocês marcam e dizem ser de alguém, mas na terra da qual brota a árvore de tronco forte e que dá o fruto que o alimenta, vem da terra que sustenta as águas e todos esses prédios grandes e pesados, da terra que fica embaixo da fogueira e que recebe a chuva que se precipita do céu, da terra que acolhe qualquer corpo que se estira cansado ao chão, da terra que é terra não porque a nomearam assim, mas porque a natureza a fez terra, da terra onde eu me ergo e grito e eu sei que a terra me escuta, da terra que é presença certa em todas as transformações que se dão com o tempo.
Tempo, tempo, tempo, tempo... Ciclo natural de construção e desconstrução do que é tangível ou imaterial. Sei que tocou as vozes dos que hora silenciados hoje se fazem ouvir. E sei que tocou também os ouvidos dos que não quiseram escutar e até mesmo dos que quiseram silenciar. Muita coisa mudou, mas muita coisa ainda precisa e vai mudar. Talvez eu não esteja lá, mas eu quero ver.
Reajam.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Disseram as más línguas

Segundo Matheus,
Baltazar não era rei coisíssima nenhuma.
Dizem as más línguas que ele morreu duas vezes.
Astrólogo curioso, viu no céu uma estrela
e quis saber do que se tratava.
Era um menino,
quis presenteá-lo
e foi tudo.
Cansou-se dos astros.
Formou-se em direito,
Tornou-se juiz,
Condenou à morte
E acabou na fogueira inquisitorial.
Antes tivesse sido jogador de futebol
e se especializado em fazer gols de cabeça.
Teve fama, mas morreu de fome.
Só não sei o doeu mais,
o fogo ou a indigência.
Simpatizo com tua beleza,
Mas não suporto a tua arrogância.
Gostava mais quando não te conhecia,
E do que eu acreditava poder encontrar em você.
As projeções eram maiores, mais animadas, mais coloridas
E você parecia um tesouro desses raros de encontrar.
Até eu te ver maltratar a flor
E aos olhos meus você perder a cor.
Não há textura, não há profundidade,
Não há sabor.
Uma foto editada,
A isso você me parece,
Artificial.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Nota sobre saudade

A saudade é breve...
... e dura mais que a maioria dos compassos.
Existem anjos que caminham pelas ruas sem asas. A esses chamamos de amigos.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Travessia

Tome a parte de si que te cabe e deseje mais
Rasgue as estradas em várias metades
Ande com os pés de um peregrino ateu.

Vá por amor ao caminho,
É de vida que se faz o sonho,
Sem medo da morte,

Siga à terceira margem,
Ignota, instável, incognoscível aos olhos nus
Anseie o grito das mandrágoras colhidas sob a lua cheia.

Atravesse o que de ti resta preso ao chão
Ícaro só caiu porque subestimou o sol
Seja mais prudente, mas sonhe

Sonhe como o menino que acredita nos sonhos
Escute os conselhos de quem te quer bem
Voe alto, voe sempre, voe sorrindo...

Ainda ontem chorava de saudade
Refleti sobre coisas que só sobrevêm nas estradas
Tanto penso que não sei se onde vou é longe