sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Imperdível: curso de zero hora com zé ninguém!


Vestir um título é como vestir um túmulo: "embalsamável"!
Das coisas que tenho aprendido ultimamente, gostei de o verto "être" (em francês) representar ao mesmo tempo o "ser" e o "estar". Assim quando alguém me diz: "Je suis docteur", eu e a minha intelectualidade obsolescente (face aos inúmeros novos títulos colecionáveis pelos mesmos doutores), posso perfeitamente compreender que ele está doutor! Já tinha refletido isso antes ao estudar hermenêutica, mas não com conhecimento de causa. Caríssimos colegas, pelo amor de vocês mesmos, estejam humildes o bastante para não se enclausurarem em uma vaidade tão pequena diante da grandeza que vocês trazem em si. Quero ainda me orgulhar de um dia ter dividido uma mesa de bar com vocês. Libertem-se dos escafandros alheios, e, mais que isso, não internalizem os próprios!

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Nouvelles

O velho mundo precisa de um creme para rugas muito potente. Nada contra os idosos ou as marcas da idade, mas essa história de se gabar de uma maturidade e evolução por trás de uma maquiagem tão pesada não está dando certo.
Que os ideais da revolução francesa serviram aos burgueses, isso nem precisa ser dito. Mas sustentar uma bandeira de igualdade, liberdade e fraternidade sob as barbas de profetas caducos e anômalos, ah, isso é demais.
Imigrante não presta, negro é perigoso, mulher é burra. Palavras fortes demais para cidadãos tão politicamente corretos e "asseados".
Especulação imobiliária, preconceito, corrupção, segregação espacial. Só mudaram de endereço. Seria próprio do homem dividir tudo em no mínimo dois? O eu e o outro. O meu e o do outro...
Construções enormes! De fato, construções. De concreto, metal e madeira; de ideais, disciplinas e convenções.
Sobre as de concreto, metal e madeira: Cá eu me pergunto por que não vemos com tanta frequência surgirem essas grandes construções. Não é porque falta espaço nem tampouco porque o homem deixou de achá-las bonitas. De fato, são lindas, mas se tornaram caras! Agora eles precisam pagar a mão de obra e a matéria prima. Os trabalhadores tem (ou deveriam ter) direitos, recebem (ou deveriam receber) salários,  [me perdoem os chineses que vão entender melhor esse texto em português do que muitos latinos], a matéria prima já não é expropriada com tanta facilidade dos seus territórios originais [me perdoem também os habitantes de áreas que se tornaram zona de influência ou, descaradamente, ainda são zonas de exploração].
Na realidade eu poderia escrever esse texto inteiro pedindo desculpas.
Primeiramente, desculpas ao velho mundo, que em suas rugas traz sim algo de experiência que precisa ser valorizada, mas que ficou em segundo plano pela sua própria maquiagem e pelo meu demaquilante.
A lisura na face falseia as expressões, e, embora seja bonita, não é a textura mais gostosa da pele, muito menos a mais sadia. Aqui a pele precisa de mais hidratante. É "quase" tudo mais seco. A distância dos trópicos, o calcário na água, a maquiagem das coisas contribuem para essa sequidão, embora aqui chova muito.
"Deuxieme", desculpas aos meus leitores. Nunca fui tão pobre e ao mesmo tempo tão rica. Estou vivendo uma experiência nova e enriquecedora. Bruxelas é uma cidade que recebe gente de todo lugar do mundo. Acolhe alguns, outros nem tanto.
Durante os últimos quinze dias me vendi através do seguinte panfleto: " Bonjour, je m´apelle Ana Míria, je suis étudiante brésilienne et j´ai 23 ans, je viens tout just d´arriver em Belgique et je suis venue pour faire un master em criminologie. Je suis une personne calme, non fumeuse, n´avant pas d´animaux de compagnie. Si mon profil correspond à votre centre d´intérêt, je vous prie de me contacter. Mon e-mail est xxxxxx@yahoo.com.br et mes numéros de téléphone sont 04921824XX ou 04835992XX".
Foram os dias em que me senti mais próxima da prostituição. Um amigo me ajudou a escrever esse textinho, e, de fato, depois de pronto, percebi que precisaria mesmo de ajuda, não teria conseguido escrever algo assim. Foucalt e a "ordem do discurso" que me perdoem também, mas eu teria feito outro texto. Talvez eu não tivesse ainda conseguido um lugar para morar, mesmo pagando 450 euros! Mas acho que teria me sentido mais feliz durante esses dias de prostituição.
Queria acrescentar que estou feliz, mas que me sinto encurralada. Queria acrescentar no texto que sinto falta da minha família, dos meus amigos e do meu cachorro. Do sol e do calor da Bahia. Queria dizer que eu sou música e que vou tocar violão dentro de casa, mas que isso provavelmente não irá incomodar, pois toco dentro do quarto com a porta fechada, e geralmente as pessoas pedem que eu toque também na sala e em maior volume, convidando inclusive os amigos e comprando bebidas e aperitivos para confraternizar. Queria dizer que eu sou calma, mas também instável, que tem dias que eu choro, que tem dias que não quero falar com ninguém, que tem dias que tudo o que eu quero é um abraço. Queria dizer que gosto de paredes brancas e lençóis estampados. Que tenho uma rinite muito forte e que o cigarro me destrói e pedir que, por favor, não fume perto de mim. Queria dizer que tenho cólicas fortes e dores de cabeça insuportáveis de vez em quando e tudo que eu preciso é de silêncio e paz. Queria dizer que é possível que iremos nos indispor, mas que é provável que resolvamos tudo em uma conversa e que com o coração aberto poderia surgir uma bela amizade. Queria dizer que tenho família e amigos incríveis e que me sinto privilegiada em poder ter aprendido tanta coisa com eles. Queria dizer que vindo de um país em que o salário mínimo é (otimizando) de 600 reais e chegando em um lugar em que o salário mínimo é de 1200 euros, considerando que o euro vale em média (atualmente) R$ 2,50; 80 euros mensais fazem diferença sim... Queria dizer que há coisas que eu ainda não entendo, mas que sou muito curiosa.
Enfim, queria dizer. Mas, mais que dizer, queria saber que seria escutada. E queria escutar.
É difícil "vender-se", principalmente, com um panfleto no qual você fala algo de si que supostamente atrai um interlocutor que se interesse por você, mas ao mesmo tempo, aquilo não é o principal de si, não é o que você acha mais interessante em si mesmo, nem tampouco atrai o interlocutor mais interessante para você.
Ainda acho que poderia ter escrito esse texto, embora acredite que nem 10% (valor atribuído aleatoriamente para dar a ideia de pouco) das pessoas o leriam até o final. Sei, contudo que as pessoas que terminassem de lê-lo, me entenderiam melhor.
Enfim, aos que me pediram notícias! Aquele texto, ainda que banal, era objetivo e eficaz, como "deveria" ter sido, permitiu que eu encontrasse um lugar para morar :). Espero que o meu lado "calmo", "não fumante" e "sem animal de estimação" me acompanhe por mais um tempo e não entre em conflito com o que ficou omisso no texto! Pelo menos ser brasileira e com 23 anos isso ninguém me tira. As convenções tem mesmo algo de bom.
O velho mundo continua velho porque o novo sempre se refaz.
Saudade de tudo, saudade de todos, saudade de mim!