segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Precious - Esperanza Spalding

Love me or leave me, but please don't deceive me
And say you'll love me how I am
You love the way I fit some ideal,
Not the real woman you've yet to understand
See, love ain't all heaven, and I am no angel
But I do the best I can

You always wanted something more from my body
And said you needed something more from my lovin'
But all you got was me and that's all that I can be,
I'm sorry if it let you down

Now it's no nice excuse, but all the magic was used up on trying to uphold
Some kind of tame, flattering persona that
Soon enough was getting real old
It takes more than pressure to change rock to diamond,
Now all you have is sand slipping through your fingers

You always wanted something more from my body,
And said you needed something more from my lovin'
But all you got was me and that's all that I can be,
I'm sorry if it let you down

But I'm not gonna sit around and waste my precious divine energy
Tryin' to explain and being ashamed of things you think are wrong with me
I'm not gonna sit around and waste my precious divine energy
Tryin' to explain and being ashamed of what you think is wrong with me

Set you up, you say I set you up
Like I was different than what I am offering you now
Let you down, you say I let you down
And drove your heart around
Did you forget about all the love

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

À Luis Alberto Warat

Foi-se um mestre, mas receio em dizer que o céu é o seu destino. Não por não merecê-lo, mas porque reduzir a sua nova trajetória a um determinismo maniqueísta imposto pela religião seria declará-lo menor do que se mostrou ser.

Diria que agora visita vários céus, como um cronópio viajante, e que não me surpreenderia se a partir de agora choverem confetes e serpentinas nos dias mais inusitados.

Foi fazer outros carnavais em novos lugares.

O pouco tempo de convivência foi suficiente para perceber a simplicidade e grandeza de um homem intenso. A paixão dos seus discípulos me impediu de ignorar um acontecimento novo: ali esteve e está um sujeito transgressor. Sujeito. Transgressor.

Fez do amor uma utopia real, presente em seus discursos, em suas ações, em suas alucinações.

Nos momentos burocráticos mais tensos conseguiu nos fazer perceber que a vida é algo além de tudo isso, algo bom, gostoso, poético, erótico.

Falo com pernas vacilantes de quem inicia uma caminhada com grandes pretensões, insegura, mas com a convicção de ter visto em muitas pessoas que admiro a admiração que têm por você.

Não sei se estou triste, e não acho que seja ruim não saber. Por mais que saibamos que uma hora esse momento chega, acho que nunca o esperamos.

Estou estranhamente (amargamente) feliz, por reconhecer em você novas possibilidades para o mundo. Possibilidades de sonhar, levantar contentes, reconhecer a beleza em coisas simples, comer as horas em sabores mais diversos, viajar sem planos, cantar...

Estas possibilidades ficarão em seus escritos; em suas ações que acabaram me atingindo por efeito dominó. Jogo de pedras infinitas, multicores e reluzentes que ainda se multiplicam com suas palavras e os sentimentos que despertou.

A sua existência nos permitiu ser mais livres, nos permitiu sermos nós, os outros, e enfim nós (de novo) com um sentimento mais humano acerca do que nos toca.

E em nome de outros me sinto confortável para dizer que você nos tocou, e continuará existindo dentro de nós.

Obrigada por tudo. Por nos mostrar que a vida é sempre um grande começo. E por hoje podermos desejar a você com suas próprias palavras um bom (re)começo.

Começar :

"... é poder ver as coisas pela primeira vez, ainda que as tenha visto setenta mil vezes antes. Estar sempre virginalmente diante do mundo (apesar de os famas nos agredirem chamando-nos de imprevisíveis, de nunca contar com os olhares de adãos para um fazer esperado...). Começar é poder conservar o olhar de Adão, logo, imediatamente, no segundo instante de haver mordido a maçã... Começar é perguntar-se como se começa apesar de ter feito uma infinidade de vezes antes esse mesmo trabalho. Isso vale para o amor ou qualquer outra produção de nutrientes; vale também para dotar de poesia qualquer rotina, para tudo o que sempre ameaça passar igual no correr dos dias. Perguntar-se como começar de forma constante é a possibilidade de sair de qualquer rotina. É a arte que esconde todo começo. É o primeiro segredo da arte de amar." (Warat, Luis Alberto).

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Seduzida.

Faz tempo que não paro para pensar sobre as coisas do mundo, sobre as pessoas no mundo e suas ações no mundo. O excesso de informação requer tanto tempo para selecioná-las e organizá-las que sobra pouco tempo para refletir sobre tudo o que se lê, se ouve. Falta tempo para vivenciar a própria vida; com outras pessoas então, praticamente impossível. As pessoas têm medo de estarem desinformadas, desatualizadas...
... e a loucura é tão sedutora.
                                     Tão sedutora...
E seduz a mim.

A fantasia pirou

O gato tirou as botas
Quando Alice chegou no Haiti
E viu a chapeuzinho vermelho sem o chapeuzinho vermelho
Montando a mula com cabeça
Acompanhada pelo mestre dos magos.

Ninguém reparou a cinderela chegar
O burro falante cantar
O saci pererê caminhar sem pular
Os Flinstons usando bluetooth para se comunicar
O dunga falar

Deu a louca no mundo da fantasia
Está tudo de pernas pro ar
Mas o melhor de tudo
É que agora os biscoitos de Tia Nastácia
Vão ter o nome dela.

Por quê os móveis tem esse nome?

A tarde descia vagabunda como se não tivesse outro destino. E vinha devagar, anunciando a noite serena e comum. Os mendigos começavam a acomodar-se nas calçadas. Voltava da academia cansada, apesar de nem ter feito todos os exercícios (inclusive o aeróbico), mas ao atravessar a rua senti um cheiro de milho cozido e imaginei que não havia muita coisa para comer em casa e teria que preparar algo... Retirei o dinheiro em um caixa 24h que havia ali perto. Por um instante pensei nos hábitos de higiene daquela mulher e, receosa, perguntei quanto era. Respondeu-me ao mesmo tempo em que atendia a uma outra senhora que lhe comprava uma pamonha, desejou-lhe boa noite e agradeceu a Jesus por algo que não me recordo, mas aquilo de certa forma deixou-me mais confortável para comer o milho, ainda que sua higiene não fosse das melhores (pura especulação). Se aquilo foi uma tática de vendas: funcionou. Segui andando e driblando os homens que geralmente estão voltando para suas casas e mechem com todas as mulheres que encontram pelas ruas.

Entrei no supermercado para comprar algumas bobagens, como sempre, a fila demorou infinitamente mais do que demorei a escolher as coisas. A moça do caixa com a mesma cara fechada de todos os dias, as pessoas mórbidas e débeis cumpriam fielmente seu papel de consumidores, inclusive eu. Após o balcão, um senhor, com seus sessenta anos, embalava as compras alheias por conta própria, como no mercado não havia empacotador, apesar de ser um grande empreendimento presente em todo o país. Esse senhor embalava as compras demonstrando cuidado, conversando sozinho e desejando bom dia às pessoas que passavam sem sequer percebê-lo, ou fingindo que não o percebia (não sei o que é pior), pois moedas saltavam no balcam em resposta à “entidade” que conseguia fazer as comprar entrarem sozinhas nas sacolas.

Entrei no meu prédio que ficava ali perto do mercado, na portaria a minha vizinha de andar reclamava algo para o porteiro. Dei boa noite, educada que acho que sou, segui e chamei o elevador. Tomei um banho, li uns e-mails e assistia TV, quando me lembrei de entregar à vizinha uma correspondência que o porteiro deixou por engano no meu apartamento.

Toquei a campainha e mesmo demorando um pouco (isso quer dizer muito) a atender, saiu meio descabelada. Acredito que ela estava tomando banho, senti um cheiro de shampoo. Após os cumprimentos ditados pela lei da boa convivência, entreguei a sua correspondência e ia retornando à minha humilde residência quando me perguntou se a que horas dormia. Pensei que fosse reclamar do barulho que tinha feito no fim de semana porque eu e uns amigos resolvemos fazer uns cachorros-quentes e terminamos a noite tocando violão e cantando na sala, mas às dez horas paramos, por bom senso e medo das reclamações (ainda acho que poderíamos ter ido até mais tarde). Mas, ainda assim achei a pergunta estranha e respondi receosa que dormia às 23h ou 24h e perguntei o porquê da indagação. Parecia com vergonha de perguntar-me, mas estava com plena convicção de que deveria fazê-lo.

Então perguntou-me se durante a madrugada eu não ouvia um barulho de móveis se arrastando e disse que alguns moradores já teriam comentado o mesmo. Respondi que não e realmente nunca tinha ouvido nada. Ela insistiu dizendo que o próprio síndico reclamou com ela e que ela convidou a moradora do andar de baixo do dela a passar uma noite em sua casa para mostrar que o barulho não vinha de lá. Fiquei tentando imaginar o que ela queria com isso e disse-lhe que iria ficar mais atenta e se ouvisse algo diferente comentaria com ela. Entramos num diálogo um pouco irônico e desconfiado:

- Não quero te provocar medo porque acho que temos inteligência o suficiente para escolher no que devemos acreditar. (Falava tentando arrumar o cabelo). Mas acredito que isso seja algo sobrenatural, pois não consigo assimilar a idéia de que moradores de andares tão diferentes e em blocos diferentes ouçam esse barulho e outros não (falou ironicamente). 

- Quem ficaria movendo móveis de lugar para outro em plena madrugada? Provavelmente isso aconteceu porque algumas pessoas mudaram-se daqui semana passada. (Respondi de forma irônica ao perceber que ela desconfiava de mim).

- Acho que não porque venho ouvindo isso desde antes, até então eu não me incomodava, mas, a partir do momento que pensam que sou, eu preciso descobrir quem é ou pelo menos provar que não sou.

- Sei. (Tava explicado, ela precisava colocar a culpa em alguém).

- Pois é, quando eu escutar o barulho de novo vou usar o interfone e chamar para que você venha ouvir. (Sempre com a mão no cabelo e agora com um sorriso cínico. Ela pensava mesmo que era eu, ou pelo menos queria transferir a culpa para mim).

- Tudo bem. (Falei querendo dizer que não. Imaginei-a batendo a minha porta em plena madrugada, mas aceitei porque assim eu estando lá ela me veria e ouviria o barulho ao mesmo tempo, se é que esse barulho existia).

- Pena que você dorme cedo. (Percebeu que eu fiquei chateada com a situação).

- Realmente. E nunca percebi esses ruídos. Se notar te aviso. (O que eu tenho a ver com as alucinações dessa mulher?)

- Tudo bem. (Agora o sorriso era meio retraído como se ao mesmo tempo em que tivesse dado um passo a frente em sua busca e dado um passo atrás em suas possibilidades de colocar a culpa em alguém).

- Isso deve ser coisa de algum sonâmbulo. (Sorri).

- É, mas preste atenção porque assim saberei se você vai poder me ajudar ou se você faz parte do problema. (Risada irônica).

Saí com um sorriso meio sem graça e nos despedimos. Entrei em casa com raiva. Que mulher mais louca, ao invés de ir pentear aquele cabelo fica aí ouvindo móveis. Até me deu uma vontade de arrastá-los essa noite só para vez a confusão. Mas não o fiz.

Esperei ansiosamente a madrugada, mas dormi e não ouvi nada durante a noite a não ser a chuva que caia lá fora lavando a cidade. Lembrei-me do mendigo que se deitou na sacada do caixa eletrônico onde tirei o dinheiro para comprar o milho, à uma hora dessas já estaria todo encharcado e morrendo de frio. Peguei o cobertor mais grosso que tinha no guarda roupa, virei para o lado e voltei a dormir.

Vida ordinária, assim como a vizinha, eu, e os espíritos a arrastarem esses benditos móveis.

Tomara que aquele milho não me faça mal...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Fim de festa.

Tentamos entrar em oito no motel. Teríamos conseguido não fossem as risadas debochadas demais que nos denunciaram à atendente: não queríamos entrar; e era bom que ela percebesse isso antes de gerar qualquer período na máquina. Também não tínhamos dinheiro para pagar...

O guardador de carros pediu dez reais, falei que só tinha cinco, e de fato, era verdade. No carro da frente um amigo disse só ter pagado dois. E provavelmente muitos ali não pagaram (nada), o mais correto; estacionamos em via pública, não era horário comercial, portanto, não havia obrigação nenhuma em pagar qualquer valor que fosse. E mais: cobravam antecipado.

Entramos. Comida e bebida à vontade. Tratei de descobrir logo o nome dos “barmen”, se chamavam Marcos e Jailton. Durante esses curtos anos de existência descobri que quando sabemos o nome das pessoas isso faz uma diferença enorme em qualquer tipo de relação. Efetivamente, nossas frutas eram as melhores, não esperávamos muito na fila, as “roskas” vinham sempre geladas e adoçadas no ponto. Além disso, era agradabilíssimo ir buscar os drinques, todos atuavam sorrindo, conversando, quase que num estado de consciência alterado. Estava tudo bem, todos felizes, satisfeitos, bem vestidos, simpáticos, sorridentes...

Primeiro momento de transição: a banda começou. Com pouco tempo o ar condicionado que era eficiente já não dá conta do trabalho, as pessoas começam a suar; a maquiagem e os cabelos a se desfazer. As gravatas e os paletós vão para a mesa e em pouco tempo as sandálias de salto alto vão lhes fazer companhia.

Segundo momento de transição: os que têm algo a dever ou têm medo de que tenham algo a dever começam a ir embora ou já foram quando a gravata e as sandálias começaram a incomodar. Na medida em que o salão se esvazia os que ficam se apropriam daquele espaço que é cada vez mais deles. As danças ficam mais expansivas, as gargalhadas mais altas, as luzes brilham mais rápido, a qualidade das músicas muda drasticamente, e, definitivamente, estamos em outra festa.

Terceiro momento de transição: a solidão se anuncia. Sem que percebêssemos, os donos da festa já tinham ido embora. O pessoal da organização já estava arrumando as mesas, varrendo o chão... A banda já tinha acabado e dançávamos ao som mecânico a pelo menos umas duas horas. Olhávamo-nos como se não compreendêssemos o término da festa. A gente não viu.

Cansados, mas ainda anestesiados da dor que amanhã daria o ar da graça, sugerimos outro lugar. Mas a segunda leva de desertores precisa ir embora, a luz contínua e uniforme, a falta de música, e as pessoas exercendo tarefas burocráticas na nossa frente são suficientes para retirar alguns do estado alterado de consciência e trazê-los de volta à realidade. É, preciso ir para casa, voltar à vida normal.

Os primeiros desertores tinham razão, saímos no lixo. Não que isso seja ruim. Ainda entramos no carro gritando... O dia amanhecia enquanto tentávamos entrar em oito no motel. O olhar da moça no balcão merecia um livro. Exercia religiosamente sua função de liberar a entrada sem olhar para o cliente para não constrangê-lo. Ríamos tanto e tão alto que antes de liberar a nossa entrada perguntou para quantos queríamos o quarto. Oito! Mas antes dela imprimir qualquer coisa demos ré. Afinal, a música já havia parado, a luz do dia era contínua e uniforme, e ela exercendo uma tarefa burocrática na nossa frente foi suficiente para retirar alguns do estado alterado de consciência e trazê-los de volta à realidade. Em algum momento seria preciso ir para casa, voltar à vida normal.

Ao final, já éramos todos desertores.

Nada que um generoso banho, uma boa noite de sono e bastante água no dia seguinte não curem.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Manias

Adquiri uma mania
Lavo a mesma blusa todos os dias
Sem vestí-la
Uso-a somente para lavar
E lavo
Não há prazer em vesti-la
Só o desprazer em vê-la perder a cor
Desbotando a cada lavagem...

Não, nós não somos heróis!

A caixa na roda dos miseráveis
Soma dores para enterrar seus mortos
O choro contido na face rígida
Sobe a ladeira com revolta e desilusão
E os lábios negros do asfalto ainda estão sujos
Do sangue dos negros do barro

Pequenas lanças de pólvora
Chegaram sem avisar
Seu barulho cortando os ares
Não esperou a pipa subir no céu
Não é tempo de brincadeira
E a vontade de infância desmanchou-se no chão

O mundo de “sem razões” faz correr
Os que viram no asfalto o seu retrato
Sem lança, sem pipa, sem céu, sem chão
O asfalto lambe o vapor da noite
Que o dia cospe na cara da rua

Não, não somos heróis
E o pesadelo se anuncia real
A impotência, o desconsolo, a revolta, o medo
Descaso obsidiador. Perversidade programada.
Alimentando o lobo dentro do lobo
Indigestão certa de um banquete sem sonhos

As vielas respiram temerosas
O dia que amanhece sozinho
A calmaria e o silêncio: falsa paz que se anuncia
O pânico das ausências, do desamparo
E das presenças mal quistas (- Corre! Polícia).
Na sua injustificável missão de guerra

São os nossos filhos na escada da vida
Calados, o grito salta-lhes aos olhos
Estão sem direção
Gira mundo, roda peão.
Quem diria, as seqüelas da morte
Apontarem os marcos da renovação

Cedo chegam os que vendem notícia
Buscam os palhaços do seu picadeiro
Espetáculo em brasa e cinza
- Houve ou não houve pipa e morteiro?
- Não! Só as pequenas lanças de pólvora, vindo de uma única direção.
E os já conhecidos tiros de canhão

Canhão de gozo e maldade
A colocar grilhões na rebelião
A calar os meninos que correm
As mães que se acuam
Os homens que fogem
Canhões de imatéria (quem os vencerão?)

Quantos anos mais de anistia
Aos canhões da hegemonia
Ferem, machucam, humilham, maltratam
E se escondem por trás dos postes
Únicas testemunhas do banquete do asfalto
A beber o sangue do vapor pelo chão

Toque de recolher. (Essa causa é ou não é sua?)
Mudar de calcada é ingenuidade.
A questão é mais complexa que a largura da rua
E que a (des)nudez da cidade.
Não! Não somos super heróis
E os canhões estão em nossas casas esperando por nós.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Sonhei seu sonho

Ainda triste por sua ausência,
Feliz por você.
Saboreando também essa vitória.
Sentindo-me um pouco responsável por essa trajetória.
Mesmo sem convite.

É, não tem limite.
E loucura a gente não explica mesmo.
Se é, sendo.
Vivendo.
Sentindo.

Siga os acordes,
As melodias,
Componha canções.
Deixe-se preencher por elas.
E seja mais feliz.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

o eu e a rua.

o eu , o corpo e a rua.
O eu, o corpo, e a rua e o mamilo.
O eu desaparece a angústia.
A chave equaciona a história.
Ninguém contou o não-eu.
A sensação!
A calma.
Caíram as fichas, as pernas, os pêlos e os mamilos.
Ver o outro, ser o outro, ser um não-eu.
O corpo enquanto casca.
A casca enquanto sensação.
A sensação quando problema.
Outros me constroem.
Mas, não constroem o meu eu.
Nem as minhas sensações.
As fichas caíram
E as pessoas sentiram que têm um corpo.
Em que pesem eles tenham um preço.
O preço é o meu do meu eu.
O que entra sai.
Nunca o que entra sai
Da mesma maneira.
Literalmente.




Matheus Albergaria Paulino de Almeida (Uma dessas pessoas que fazem a vida valer a pena...)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

D´zinloqceu

Kazkazi madam mamadi
Si vô mi per intom contrè
Vrom estraz sincrobion menito
Et sas veni som pur
Sentiga vest intec siv contre a mest esi vinon

Vigost zar seon bani
Naqsvit xicor dem avi atrois
Cebian verdi sanpar
Aven sacar istroin
Vian
Vian, veram, sibah

Etni, siam
Siam
Sas pur inton contrè
Bani sher viz etná shiróvs
Xinstróiq nitch mont

Veram, vian, sibah

Serviço de mensagens curtas...

Nunca serás o desencontro afastado.
Nesse mundo misterioso em que me jogo.
Em que há caminhos indefinidos, muitas vezes tortuosos...
Mas sempre com boas surpresas.

E independente disso,
Andando por todos os cantos,
Nunca poderei dizer que serás apenas um desencontro...
Abra um parênteses, não esqueça:
"A vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros na vida".

Sempre com boas surpresas.

Os melhores caminhos são aqueles que nos conduzem para o não lugar (Jair Oliveira)

Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.

Antonio Machado

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Todos os hertz

Um dia escrevi coisas
Que hoje não escreveria
Publico para não perdê-las
Para não mentir que um dia as sentia

Amei alguém de verdade
E no fundo foi só vaidade
De alguém que comigo brincou

"Corta o tímpano
Atravessa sem pena
Evolui o sadismo
Querer te ouvir falar sem parar
Ainda que sejam coisas quaisquer
Bem distintas do que desejo ouvir
São importantes só por ser você quem as diz

E ouço...

Faz sua consultoria
E eu em minha agonia
Agonizo de amor, sozinha
Cumprindo o pacto de não falar
O que (de nós) pensar... ?
Retribuo com minha alegria
Misturada com a melancolia.

Eu cá no fundo do poço
Indico as canções
E por entre as frestas deixo escapar:
Ainda te desejo
Ainda te quero
Ainda te espero

Mas não ouve,
Finge não ouvir.
A confusão é fértil.
Apesar da seca
Ainda tem muita água no poço (parece sem fim)
E muitas flores para regar.

Só de pensar em te ouvir cantar
Imagino jardins
E é involuntário
Por entre os espinhos
Algo que não se vê em qualquer flor
E eu vi

É amor

Por céus e mares andarei
Sabendo que não haverão poetas nem reis
A me oferecer presente mais valioso
Que suas inusitadas visitas pela madrugada
Seu corpo suado, seus olhos de lince
E uma rosa solitária em agradecimento à sua melhor noite não durmida
Em oferta a algo que não consegui explicar

Por entre aqueles espinhos
Ninguém saberia me dizer
Qual a magia
O porquê da fantasia
De eu ter sobrevivido
Ao ouvir aquele velho me dizer

Todos os hertz a me dizerem
Que o que eu vi foi amor
Que eu não o esquecesse
Que ainda existem muitos céus e mares
E água suficiente para fazer brotar muitas pétalas de flor

Que eu adormecesse
Que a aurora iria me visitar no dia seguinte
Que eu acordasse
Que o dia traria motivos para ser feliz
Que eu sonhasse
Que os sonhos iriam se tornar realidade

Que eu realisasse
em hertz
em letras
melodias
teoremas

Pois é,
Virei poeta,
Compositora,
Cientista,
Só não consegui sair da condição de mulher apaixonada.
(Agora bem mais equilibrada).
E decidida.
Talvez enganada.
Mas, ainda acreditando...

É amor."

domingo, 24 de outubro de 2010

O ser é...

Eu: fruto do que admiro e do que me corrompe. Sou a crença na fé e na descrença
A terra e o asfalto.
A brisa seca, a úmida, a suave, a arredia.

Eu sou os restos do coração estraçalhado de saudade.
Sou o estardalhaço resultante do seu sorriso.
Sou os pulos do menino sedento de vontade.
Sou o desejo, o toque, o beijo.

Eu sou o meu Deus.
Meu anjo, meu demônio.
Sou tudo que falta em mim, o que me completa e o que me excede.
Sou os versos escritos na gaveta.
A oração perdida no tempo.

Eu sou o amor que desejei; que doei; que jurei.
Sou a mentira mais certa perdida nos olhos daquele que não me vê.
Eu sou a lua, sou o mar, sou o labirinto.
E sou também as trevas, a luz, a imensidão, o infinito.

Sou a abelha, o mel, a torre e o arranha-céu.
Sou o contexto, o sujeito e o predicado.
Oração mais que perfeita.
Eu sou a dor, o tédio, o horror.
Eu sou a glória, a alegria, a vitória, o esplendor.

Eu sou o fato, o feto.
De fato, afeto.
Um mosaico em fragmentos.
Quebrando um pouco a cada dia.
Tomando forma entre a cola e os cacos.

Eu sou a ausência de mim
Nos verbos de abandono e solidão
Sou a fuga da melancolia
A busca incessante pelos sonhos
Sou a paixão

Sou a vontade de ser
Sou quando nem posso pensar se sou
Sou o indefinível. O indecifrável. Aquilo que simplesmente é.
Minh´alma grita o ser dentro de mim
E eu sou

Sou a esperança de ser tudo aquilo que um dia eu quiser
Sou aquilo o que quis e quero
Ainda que mudasse alguma coisa se pudesse
Mas não há muito o que fazer
Simplesmente: sou!

sábado, 23 de outubro de 2010

Simplicidade do saber sincero

Não consegui desvendar
a maciez da voz
a ternura do olhar

Poder-se-ia dizer frágil
Não fosse a firmeza dos propósitos,
A hagilidade com os verbos
E substantivos, e advérbios, preposições.

Adjetivos, poderia usá-los aos montes
Para tecer elogios àquela inteligência
Doce saber provocante
Diria até, sedutor

Palavras suaves em propósitos firmes
Algo incomum no mundo acadêmico
Em que os gênios se engolem à procura de discípulos

Admiradores pretendendo a metamorfose
Tornarem-se futuros mestres
Cospidores de teorias e metáforas
Carentes da simplicidade outrora facilmente encontrada em suas perguntas de aprendizes

Vasculham a vasta gama de novos conhecimentos
Em busca de novos conhecimentos
Esquecendo de resgatar os antigos
Citando-os por amostragem,
Pelo desejo de elocubração sem fim

Esse desejo ali eu não via.
Busquei-o para desmistificar a maciez da voz, a ternura do olhar
E, ainda sem entender
Admirei a simplicidade do agradecimento
Parabenizando a simplicidade e a sensibilidade de outras palavras

E com poucas palavras
Falou-me que o recado fora sincero
E que chegara em bom momento
Sem maiores explicações

Despediu-se com beijos
Como quem não sabe o que são
Ou como quem os usa por hábito
Deixando escapar quase que incoscientemente um carinho sutil

Sutil como a voz macia e o olhar terno
Os propósitos firmes e as palavras suaves
O agradecimento simples e despretencioso
Como esse escrito.

Um outro elogio
À simplicidade do ser
Traduzida em palavras
E recado sincero.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Convide-me a um brinde!


Copo cheio, copo vazio. Copo a ser esvaziado, como a ser cheio.

...E essa desculpa em inventar datas para celebrar a vida? Convenções que disfarçam nada mais, nada menos que a vontade de reunir pessoas queridas para beber, sorrir, falar besteira e não se preocupar com os afazeres inadiáveis do cotidiano. Carnaval passou, pensa-se no São João; São João passou, iniciam-se os ensaios do carnaval. Entre essas festas, as festas principais que talvez passem despercebidas: aniversários, babas, filmes, encontros despretensiosos (ou não), saidinhas com os amigos, saidinhas com os paqueras, saidinhas da rotina. Saindinhas: pequenos deslocamentos em busca do princípio do prazer, amortizador do princípio da realidade.

Cortamos o tempo em fatias suficientes para tornar os sofrimentos digeríveis. E assim ele fica cada vez mais curto (o tempo). Embora muitas vezes não consigamos distinguir a essência da vida para torná-la o essencial, brindemos à nossa capacidade de comemorar! Que essa felicidade homeopática seja capaz de nos entorpecer durante esses momentos de abandono da razão.

Que não nos falte o convencimento das possibilidades: os sonhos...

Que na complexidade da vida os gestos simples sejam suficientes para nos dar prazer, ainda que muitas vezes não nos dêem razão.

Viva a vida. Boas festas.

Porque o dia começa e termina, todo dia, com um fechamento peculiar, ainda que sem os dias que se passaram ou sem os dias que virão o dia vigente não se complete. Todo o dia que começa, e termina, pode ser uma festa, que começou ontem e termina amanhã. É um ciclo, e porque não um circo. Deixemos a fantasia desfigurar os limites da circunferência.

Só depende de você.

Portanto, um brinde!

domingo, 17 de outubro de 2010

Oração de amor pagão

É assunto proibido
E a gente se ama escondido
Na área de serviço
E também na sala de star.

Bendito amor bandido
Rouba-nos todos os sentidos
Ignoramos os perigos
E voltamos a nos procurar

Tem piedade, Senhor
De dois cristãos batizados
Ungidos e abençoados
Nascidos para pecar

Guarda-nos a boa morte
Ou talvez uma melhor sorte
Nessa vida de desventuras
Vítimas de um amor pagão

Se faltou-me sacrifício
Perdoa, ó Pai, o vício
Desses humanos desregrados
Que insistem na paixão

O amor é bom pedido
P´rum casal de desvalidos
Magoados, ressentidos
Que não consegue se afastar

Meu Deus, te procuro pela fé
Por meu querer incontrolável
Pelo feitiço inafastável
Se não for reza é maldição

E a gente vivia junto
Sem muito conforto nem muito luxo
Naquele pequeno conjunto
Onde nunca pensamos morar

E a vida era tão bela
Pelos becos da favela
E a batalha de cada dia
Vinha Deus abençoar

As casinhas são pequenas
Com quintal e com varanda
Espaço que dá e sobra
Pra gente poder se amar.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Vara de tóxicos – Rito especial sumário. Mais um entre os ordinários.

Pedido de relaxamento negado.

Já cumprira um sexto da pena, tinha direito à progressão de regime, iria para o semi-aberto.

Lembraram-lhe do direito de permanecer calado. (O que não iria fazer muita diferença já que ele não entendia muitas das coisas que aconteciam ali, e o advogado provavelmente o teria aconselhado a ficar calado. Então, mesmo que quisesse falar não poderia ultrapassar o inteligível e o combinado).

Falou apenas que aquilo que diziam não era verdade...

- ... estava dormindo na casa da minha irmã quando os policiais entraram e procuravam algo. Encontraram celulares, monitores, mas não encontraram drogas, barbantes, sacos plásticos, barbantes. O dinheiro que eles acharam era da minha irmã que ia comprar uma casa.

Perguntaram quanto ele ganhava; respondeu: - 50 a 60 reais por dia; era motoboy. Autônomo.

Se nunca tinha sido preso ou processado criminalmente

- Primeira e última.

Se era usuário de drogas.

- De maconha.

Ainda tentou dizer que apanhou muito na delegacia, mas não deram muita importância. Era normal.

Entram as testemunhas e prossegue-se o rito.

Sem muitas perguntas, nem da defesa, nem da acusação, nem da juíza. É como se todos soubessem exatamente o que tivesse acontecido. Agiam com uma harmonia misteriosamente interessante.

E é um tal de riso sem razão que até agora não consegui entender racionalmente. Restou-me a intuição de caracterizá-lo como desespero.

O réu com roupas da Nike e Adidas, provavelmente falsificadas (é o que penso; talvez não sejam), o advogado de terno, os policiais fardados, com todas as suas armas, a promotora de vermelho, combinante do batom às unhas, e a juíza, tão frágil, tão pequena, tão poderosa com as suas roupas de grife, que provavelmente sonegou alguns impostos; e nós, estagiários, vestidos a caráter: aprendizes do poder.

Ainda mantiveram um discurso velado de que aquele era um peixe pequeno. Sabiam que a ressocialização era um mito e, por mais de demonstrassem vontade de mudança, seguiram o rito, ordinário rito (não em procedimento, mas em qualidade).

Loucos para ir embora reduziam o número das testemunhas, das perguntas, da performace. Todos ali sabiam que aquilo era um teatro apenas, pró-forma. E pior, sem ápice, sem catarse, sem surpresas.

No mesmo cubículo muitos vilões; por motivos e (in)compreensões diversas. Muitos criminosos em diversos níveis. 

Coitados daqueles para os quais se retira a venda para punir.

Por uma questão de ordem, quase que de saúde mental, fomos embora sem muitas perguntas. Conformados, desiludidos, tristes, revoltados, desesperançosos. Ordinários.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Qual desses m(e/i)ninos você quer criar?


Minino correndo para o meio do mato.
Minino cansado, minino assutado.
Minino saindo pela beira do asfalto.
Minino cheirando, minino fumando.

Minino trocando os livros e as bolas de gude.
Quantas diferenças entre tantos mininos.
E qual desses mininos você quer criar?

Minino correndo, minino no meio da rua.
Minino no meio da chuva.
Minino cansado, minino sem prato.
Minino sem trato, mininos do tráfico.

Minino do canto, minino sem tanto.
Minino enconstando.
Minino do pântano, menino empantanado.

Minino jogado, minino invisível.
Minino temível, minino inventado.
Quantas diferenças entre tantos mininos.
E qual desses meninos você quer criar?

Minino de bunda de fora.
Mas minino o que eu faço agora.
Se não tenho mais nenhum trocado pra te dar.

E o que eu faço se não quero
Minino na minha porta, minino na minha calçada.
Mas minino, eu não te coloquei aí,
Menino, só quero te ver sorrir.

Mas, minino, o que você não pode ver.
É que nós não queremos te enxergar.

Minino cansado, minino doente no meio da rua.
Minino de bunda de fora.
Minino correndo na beira do asfalto.
Minino correndo para o meio do mato.

Mininos cansados, mininos fardados,
Mininos do tráfico.
Mininos, futuros perdidos.
Passos cumpridos e desperdiçados.

E todos seguem o ciclo dos mininos
Desadotados.

Menino teimoso,
Menino, onde está o seu sapato?
Menino tira o dedo da boca, tira esses pés do chão gelado,
Pode pegar um resfriado!

Menino troca de calção que esse está furado.
Menino vou te dar um castigo se desligar o computador errado.
Menino tira o dedo da tomada que você pode levar um choque.

Minino sai da beira do asfalto,
tá correndo perigo de morte.

Meninos, mininos...

M(e/i)ninos que apanham, m(e/i)ninos que batem.
M(e/i)ninos que comem, m(e/i)ninos que se escondem.
M(e/i)ninos que cedem, m(e/i)ninos que pedem.
M(e/i)ninos que cheiram, m(e/i)ninos que fumam.

Meninos que deitam, meninos que estudam.
Meninos, roguem pelos mininos.
Meninos, olhem pelos mininos.

Meninos, mininos...

Quantas diferenças entre tantos m(e/i)ninos
E qual desses m(e/i)ninos você quer criar?


Minino jogado, minino invisível.

Minino temível, minino inventado.
Quantas diferenças entre tantos mininos.
E qual desses m(e/i)ninos você quer criar?

Mas minino, eu não te coloquei aí,

Menino, só quero te ver sorrir.
Mas, minino, o que você não pode ver.
É que nós não queremos te enxergar.

Mininos, futuros perdidos.

Passos cumpridos e desperdiçados.
E todos seguem o ciclo dos mininos
Desadotados.

Meninos, roguem pelos mininos.

Meninos, olhem pelos mininos.


Meninos, mininos...

Quantas diferenças entre tantos m(e/i)ninos

E qual desses m(e/i)ninos você quer criar?




Ana Míria Carinhanha

Perecimento sutil.

Quando os hábitos tornam-se maiores que os sonhos a morte torna-se uma dádiva.

Vou indo...

Como você vai
Sair do ambiente comum e rotulado
Superar o hábito e os clichês
Ir em busca de novos horizontes
Explorar o inusitado
Experimentar o novo

...?
Passos muito importantes para atingir qualquer objetivo não alheio
Ou seja, seu.
Contudo é necessário um alicerce
Que lhe dê suporte e força para o arranque

Para toda corrida existe o primeiro passo.
E a aceleração se dá progressivamente.
Todo macaco velho um dia foi inexperiente.
E só assim se chega a algum lugar: partindo de um ponto de origem.
A inércia é responsável pelo desenrolar da trajetória.
Ainda que seja no seu início.

Métodos de deslocamento
Variação de velocidade
Impulso
Combustível
Companhia para quebrar a resistência do vento
Sonhos

No começo.
Na tomada da decisão.
Pelo gerúndio pelos ventos
Vou indo...

Os passos, a corrida, o vôo.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Reflexo

Fiz uma ruma de verso e preguei na geladeira
Ninguém entendeu nada
Não aumentou a quantidade de comida
Mas agora a garrafa de água lá dentro está sempre cheia...

Me diz o que você faria?

O livro de direito penal ao lado do livro de poesia
Que ironia...
O baseado escondido da mãe atrás da sua fotografia
Que hipocrisia...
O julgamento do colega que sofre por um amor perdido
Que heresia...
Me diz, me diz: o que você faria?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Do buraco do meu casaco

Casulo de sonhos a espera de uma bunda quentinha que os possa chocar.
Resolvi ouvir seu conselho, pró.
Comecei...
Do buraco do meu casaco retirei uma caneta preta.

Do bolso sujo e surrado
brotaram palavras mágicas.
Juntam-se lado a lado
e contam histórias fantásticas.

Gosto de lê-las.
Mas gosto mais quando os outros também gostam.
E resolvem fazer buracos nos bolsos dos seus casacos
Para retirar palavras mágicas de lá também

Livros esquecidos,
Caixas de giz de cera,
Guardanapos de butecos.
E os retornos de som, potentes, que ecoam na minha mente.

Do bolso furado do meu casaco
retiro um pouco de carinho
tristeza, prazer e cansaço 
E publico aqui no meu cantinho.

Por esse grande novelo de sentidos 
Muitos nos julgarão patéticos.
Mas não importa. São muitos tecidos. Jeans, lã, algodão... 
Tecendo um cotidiano mais poético. 

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Behind...

"You don't know me
Bet you'll never get to know me
You don't know me at all
Feel so lonely
The world is spinning round slowly
There's nothing you can show me
From behind the wall
Show me from behind the wall" (Caetano Veloso)



bugudun...

Êta mania de exclusividade que me tira o juízo.
Não vê que a vida não é assim.
São muitas janelas.
Demanda demais pra mim.

Escuto a rádio que você me indica.
E além de comentar a música
Tenho que responder rápido
Senão o conflito é certo.

Acalma esse coração,
Melhor, acalma as suas mãos.
Os dedos no teclado.
Adequa-se ao tempo da conexão.

Ainda sobre as estações.

Passarinho quer cantar além do bico,
anunciar a primavera...
Seu José está no bar molhando o bico,
também cantando a prima Vera.

Minutos peculiares de um dia quase comum.

Era mais maluco do que eu pensava, muito mais. 

Nunca ia imaginar que aquele homem sério, compenetrado e com pinta de músico tinha tantas histórias para contar, muitas delas, invenções, creio eu. 

Essa minha mania de conversar com estranhos ainda vai me gerar grandes problemas. 

Eu só queria vê-lo tocar uma música na viola...

Depois de borrifar em mim um perfume artesanal em que misturara gasolina e a essência de uma formiga enorme que ainda mantinha no frasco; dizer que ficava dias sem tomar banho, e que no sul esse era um dos motivos para os homens adoecerem em decorrência do catupiry da gola rolê; contar sobre o seu passado de aviador e da sua plantação de ayahuasca; oferecer insistentemente chá-mate em uma garrafa térmica encardida e pão com mortadela em uma sacola de supermercado; escarrar na grama; falar de suas experiências eróticas com as sobrinhas, e do seu hidratante/lubrificante mais potente que o KY, e feito com óleos animais; procurar um diapasão em meio a um short de banho e algumas roupas que trazia na mochila; de comer uma trufa (e sua embalagem) amassada; falar sobre a sua família; dizer que ia sortear uma capa de almofada artesanal que ele conseguiu na etiópia; me oferecer uma burca; mostrar fotos da família, da burca, e uma camisa pintada com referências ao museu de arte moderna da Bahia e ao por-do-sol;  falar mil vezes (ou mais) que estava morrendo de sono e a dias sem dormir; contar que tinham roubado a sua bicicleta e o seu violão; mostrar a estampa bonita do pano com o qual se cobria quando sentia frio; narrar da desventura de um amigo que estava brigado com a mulher porque ela descobriu que ele (o marido) havia desmontado o seu microondas para trazer uma pistola contrabandeada do exterior para o Brasil; ele ainda conseguiu tocar um axé em ritmo de blues com uma viola desafinada e sem uma corda. Além disso me deu altas dicas de afinação e recomendou Almir Sater. É um fã deveras excêntrico.

Pelo menos tocou. Em determinado momento achei que ele não sabia. Mas aí já não era preciso saber. Aquelas histórias eram muito mais difíceis de serem contadas do que tocar viola. E mais, com a mesma viola desafinada e sem uma corda ele tocou "Bem te vi" em ritmo de afro-baião-oriental numa pegada de funk romântico somado ao seu estilo Bob Dylan de cantar. Parece impossível, né? Mas foi bem isso!

Se não acreditou, não tem problema. "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena".

De fato, a vida é curta. Mas nela acontecem coisas que até quem viveu duvida.  

Eu vi aquelas mãos mudarem de cor

Aquelas mãos se amaram
Em movimentos suaves e sugestivos.
Nunca imaginaria tamanha expressividade  em uma dezena de dedos.
Multiplicavam-se no ar.
Desenhavam sentidos.
Insinuavam posições.

Quem diria,
Alguns dedos...
Tinham uma poética singular.
Olhava-os procurando entender a magia.
Mas não conseguia.
Existia algo ali que não conseguiria explicar.

Entrelaçavam-se para além da soma dos corpos.
Encarnavam divindades.
Na tela da TV os tons de azul embaçavam mais a visão.
As pálpebras cerradas procurando distinguir o real e a ficção.
E confundindo mais ainda o amontoar de corpos no colchão
Acordei assustada, era madrugada...

Apalpei ao meu redor na cama.
Estava vazia?
Sonho. Ou pesadelo...
Olhei as palmas das mãos como quem procura o coelho na cartola.
Cor de carne.
Na seqüência: o prazer e a frustração.

O vestido preto e os pés sujos de areia.
Na frente, o tortuoso caminho de casa.
O dia insistia em brilhar do lado de fora da janela.
Cortinas fechadas para evitar a luz, teimosa luz.
Invadia o quarto desesperada.
E eu ali deitada.

O dia seria longo.
Precisava descansar.
Mas os sonhos malucos
Insistiam em me atormentar.
A garrafa de licor já estava no fim.
E aqueles poucos goles que restavam foram suficientes pra mim.

Dormi como um anjo.
A boca e a tosse secas incomodaram um pouco.
Muito menos do que aquele sonho louco, é verdade.
Mas o que mais me atormentou aquela noite
Não foram os dedos, nem a areia, nem o vestido, nem a ressaca.
Foram os resquícios de realidade.

Procurava um álibi. 
Mas tudo era denúncia em potencial.
Bem que alguém poderia ter gritado. 
Para que eu pudesse ter acordado.
Sem medo do julgamento
Do amanhã que seria fatal . 

Como poderia me olhar no espelho 
E encarar a covardia 
De quem viu a dança das mãos 
Entrelaçadas no mesmo ritmo 
Do frenesi que anunciava a traição.
Corre, corre, pega ladrão. 

A buzina dos carros começava a incomodar mais que a claridade. 
Ledo engano, dura realidade.  
Precisava mesmo levantar
Dormindo e acordando tanto. 
Sem nem conseguir distinguir o riso e o pranto. 
Corri sem rumo pela cidade, mas não conseguia chegar.

Acho que ainda não consegui. Nem vou... (ainda é incerto o onde)
Mirar as mãos esperando que mudem de cor é habitual.
Mal sinal. 
De fato, isso tudo não é normal. 
Nem a ressaca, nem os dedos, nem a areia, nem o vestido. 
Fazem parte disso que chamamos de vida: loucura banal.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Candeeiro da saudade

Retrato do meu eu
Onde você se perdeu?
Agora além de sós
Estamos nus...

Sem moldura,
Sem brinquedo.
Sou eu e os meus medos
procurando religião.

Posso seguir-te?
Ajuda-me a me esconder.
Agora é noite e já faz frio.
E é escura a solidão.

A saudade ainda arde.
Queima incandescente.
Corrói os pilares da juventude,
Essa paixão inconsequente.

Muitas vozes nos corredores.
Na mente dos anciãos.
Relembrando o samba-enredo
Da última estação.

Ainda lembro aquele tempo
Em que via você dormir
Feito criança eu olhava
Com medo de você partir.

Acordei e era tarde.
Saiu para trabalhar.
Maldito sono covarde.
Ainda estou a te esperar...

Nas cirandas das lembranças
Começo a me atrapalhar
Entre os sonhos e as esperanças
De um dia você voltar...

Quando enfim morrendo de medo
Já não há tantos segredos
Não preciso me esconder
Só preciso de você.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Manobras arriscadas

O que fazer para voltar atrás quando não se pode mais.
Se pedir perdão já não cura as feridas.
Baixar a cabeça e olhar para o chão
parece ser a única solução.

Perdão, perdão, perdão...
A minha falta de lucidez,
A minha falta de razão.

O perigo das manobras arriscadas vai além do que se imagina.

Verter lágrimas não adianta mais,
Maluquice desesperada, vontade de voltar atrás.

Perdão, perdão, perdão
O tombo foi impensado.
O levantar menos ainda.

Perdi o sentido das ações,
o controle das emoções.
No chão me resignifico.

Novas lesões, novos traumas.
Nova vontade de recomeço,
Do velho corpo machucado.

domingo, 19 de setembro de 2010

Você tem fome de quê?

- Boa noite! Desculpe incomodar, mas eu sou aidético e estou com fome. Aceita uma bijuteria por um ouvido?

Poderia tranquilamente ter sido um alto executivo, um empresário de sucesso, um catedrático, mas me abordou tentando trocar algumas bijuterias por um prato de comida. Extremamente inteligente, articulava bem as idéias, possuía bom vocabulário. Como teria chegado a esse estágio?

Explicou-se dizendo que havia limpado um terreno e em troca recebeu um lugar para construir um quartinho, morava na rua. Disse também que era aidético, que estava fazendo um curso de bijuterias e que havia comprado uma cera para fazer uma depilação e que por isso estava sem dinheiro. Ofereceu-me então uma bijuteria em troca de comida. Disse que eu não precisava dar-lhe o dinheiro, que poderia comprar a comida e entregar a ele, porque estava mesmo era com fome.

Lembro-me de como me abordou. O excesso de zelo, as desculpas por estar incomodando. A sua magreza e a aparência surrada se incumbiam de delegar a ele o papel de coitado.

(“Triste Bahia, ó quão dessemelhante...”)

Dei-lhe o dinheiro.

Ao se despedir perguntei a ele se sabia o que era uma monografia e respondeu que sim. Eu disse que estava fazendo uma e que gostaria de fazer a ele algumas perguntas, e disse que se não quisesse ele não precisava me responder. Pela primeira vez na conversa ele me atropelou balançando a cabeça afirmativamente e disse: sei, você está fazendo uma pesquisa com soropositivos.

Para a sua surpresa respondi que não. Que queria fazer três perguntas. Ele tomou a liberdade de puxar uma cadeira e sentar-se “conosco” (a uma distância que ele considerava não invasiva). Pensei: já deve ter sido entrevistado umas mil vezes por conta do HIV. Perguntei sobre a justiça e prontamente ele me respondeu: NÃO EXISTE! Não existe justiça terrena porque essa você compra...

E seguiu explicando. Perguntei-lhe sobre o direito e com a mesma convicção me respondeu que esses (os direitos) têm que ser batalhados, que por si só não existem, e contou-me que sempre ia dormir na fila do “seguro desemprego” porque só distribuíam cinqüenta senhas e se chegasse lá pela manhã encontraria mais de trezentas pessoas na fila. Sabia que o seguro desemprego era um direito seu, mas, sabia mais ainda como se dava o enfrentamento com a polícia quando esta ia retirá-lo da fila.

Aquilo acabou me chocando e a minha pequenez se contentou com o que ele já havia narrado. Agradecia quando ele me interrompeu pela segunda vez e disse que eu só tinha feito duas perguntas, que faltava a terceira. Espantou-me a atenção dele. E fiz a terceira pergunta; sobre as pessoas que "lhe davam" com o direito: juízes, promotores, professores, estudantes, civis... e respondeu-me: eles abusam, e seguiu falando desse abuso de uma forma leve, sem rancor, mas consciente, falou-me dos salários, mas não questionou a necessidade do judiciário.

Achei que fosse me falar de corrupção, poder, essas coisas que todos falam. Mas preferiu falar sobre a cara de nojo que as pessoas faziam quando ele as abordava na rua de um modo geral. Reclamou que as pessoas não gostam nem de ouvir, disse que já havia sido maltratado ao tentar pegar um ônibus para ir buscar remédio em um hospital distante, e seguiu contando-nos algumas das suas muitas desgraças. Quis interrompê-lo, não por frescura, não pelo nojo do qual ele falava, mas por ele, por sua intimidade, na tentativa de preservá-lo. Eu e minhas perguntas falsamente impessoais e sobrecarregadas de subjetividade fomos o gatilho para disparar naquele homem uma verborréia intensa de quem precisa mais intensamente ainda de um ouvido.

Será que ele contava essas histórias quantas vezes por dia? E no dia seguinte, quantas pessoas se lembrariam dele, da sua história, daquele dia em que foram abordados com a finalidade de trocar uma bijuteria por um prato de comida. Certamente ninguém ou quase ninguém, porque pelo que me relatava, a maioria o ignorava e alguns davam logo o dinheiro para se livrar; outros aceitavam a troca.

O humor do homem começava a me incomodar. Falava de suas desgraças sorrindo, melhor, gargalhando. Sentir-me-ia tranquilamente em um “stand up comedy” se ao invés de estar sentada na calçada de um bar conversando com um mendigo eu estivesse assistindo homens de smoking no teatro.

Numa dessas, ele falou que não podia comer bolacha recheada, mas que estava com fome e ofereceu uma bijuteria por comida na porta de um supermercado e a mulher deu a ele um pacote de bolacha recheada e coca-cola.

- Eu não ia ficar olhando pra eles e dizendo: como vocês ficam bonitinhos aí e eu aqui. Então eu nham, nham, nham, nham... botei pra dentro.

O sotaque afeminado contribuía intencionalmente para o humor da desgraça.

Em pensar que há pouco falava com uma das amigas que estavam na mesa que eu estava pensando em escrever sobre a pedagogia da miséria... (mas isso fica para uma outra conversa).

Como ia me dizendo, não podia comer biscoito recheado. E estava andando pelo corredor da vitória, lugar nobre de Salvador onde não tem banheiros públicos, e segundo ele também não tinha um matinho ou uma construção em que ele pudesse se esconder.

Seguiu andando até onde pôde. Levantou para tornar mais real a sua história e se imitou ao mostrar como andava quando já não agüentava o desastre que se anunciava. Disse que respirou fundo e... Estava cagado no corredor da vitória. Continuou andando. As pessoas passavam rapidamente, mudavam de calçada, entre outras coisas. A uma senhora que suportou ou não percebeu o cheiro pediu um lençol e ela perguntou pra quê.

- Preciso me esconder de mim mesmo. (gargalhadas solitárias e constrangimento geral).

A essa altura do campeonato eu achei que não ficaria mais constrangida, mas ele ainda não tinha acabado. Seguiu sua narrativa. Andando cagado até o Campo Grande, onde encontrou um banheiro público. Ao se aproximar uma senhora alertou-o que nos banheiros estavam pessoas usando drogas. Gritou: “que merda!” Logo em seguida, sentiu os policiais se aproximarem e perguntando agressivamente: “que merda o quê, rapaz?” Respondeu se esquivando e com voz mansa: “merda que tá saindo dentro de mim, não ta sentindo o cheiro não?” (teria sido o momento de catarse no teatro e parece que ele sabia disso, deu a pausa para o público terminar o riso).

Voltou para a narrativa falando de como conseguiu pegar água no chafariz da praça e se banhar dentro daquele banheiro. Disse que jogou a roupa fora e que tinha outra na mochila e que seguiu. Como mora na rua, não fez muita diferença não ter dito para onde.

Ríamos sem graça para não deixar ele sem graça. Não sei se foi a melhor opção, mas foi o que aconteceu. Aproveitei a pausa do riso e agradeci as respostas. Ele agradeceu também. Ainda recebi um elogio. Disse que eu parecia uma conhecida dele que havia sido miss em alguma cidade dessas do interior e que ela tinha se classificado em terceiro lugar como miss Bahia. Ele queria conversar mais, e acho que se déssemos trela estaríamos lá até agora.

Saiu...

Com algum tempo também saímos e qual foi a surpresa encontrarmos ele no caminho de novo. Perguntei se tinha comido; com o mesmo humor, ele disse que sim e que ainda tinha lhe sobrado algum dinheiro para tomar café no outro dia. Levantou-se do banco e veio em nossa direção. Disse que estava indo para a fila do seguro desemprego e que se nós conhecêssemos alguém que precisasse desse serviço, que ele cobrava vinte reais. Disse que as pessoas cobravam quarenta, até cinqüenta, mas que ele só cobrava vinte.

Minhas amigas e eu nos olhamos com a cumplicidade de quem queria poder “indicar algum cliente”, mas sem conhecer “nenhum” respondemos quase em coro que se soubéssemos de alguém falaríamos. Pura hipocrisia. Respondemos mecanicamente a um alguém que nunca vimos, num lugar que não freqüentamos, e sem pretensões de volta. Aposto que ninguém pensou em ir à fila do seguro desemprego encontrar com ele para fazer essa indicação.

Desejamos sorte um ao outro. E nos despedimos com alegria, estranha alegria.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Que dia!!!!


Quanto custa praticar o inglês enferrujado com um gringo?

- BRIGUE COMIGO EM PORTUGUÊS!!!!!

Foi o grito que Kelly me deu. Quebrou a crosta de gelo que se formara num espaço de tempo curtíssimo entre o Wet´n Wild e algum outro lugar na paralela. Não contive o riso. Mas a embriaguez não permitiu que me deslocasse por muito tempo.

Depois de tantos "fuck you" não entendo como não nos agredimos ali mesmo dentro do carro. A gringa deu trabalho! Muito trabalho! MUITO TRABALHO!

Já tinha me arrependido de tê-la convidado para a formatura de um amigo. Eu e minhas inconsequências. Como convidar alguém que não se conhece para uma comemoração íntima e tão importante? Foi o que mais ouvi no dia seguinte. Mas não achei mesmo que tivesse problema. Pelo menos até o momento em que a convidei.

Quando estacionamos o carro achei que o problema havia ceifado. Pedi dez minutos para me reestabelecer do stress mas o meu estado de sub/in/trans- consciência não esperou os dez minutos para me colocar em sono profundo. This is my falt. Sim, era um pesadelo.

Acordei assustada com um pedido de mudança de cama e assim o fiz. No outro quarto já dormia Carol e a gringa. Kelly e Nina, eu não sabia por onde andavam e não fiz muita questão de saber. Tombei no colchão qual uma fruta que cai da árvore, dei os quicks necessários para atingir a velocidade zero e ali fiquei até o amanhecer.

Fui a primeira a acordar. Melhor, a segunda. Carol saiu de madrugada, ia encontrar o namorado no aeroporto para uma viagem durante o feriadão. No quarto de Nina soube que a noite não acabara tão "tranquila" quanto pensei. A gringa tinha dado MUITO mais trabalho do que a minha pobre imaginação pudesse vislumbrar.

O dia iniciava com seu momento fofoca e à medida que ia me atualizando ia me arrependendo cada vez mais de ter feito aquele convite.

Ela (a gringa) tinha sérios problemas com regras. E acho que isso se intensificou aqui no Brasil, país que habitualmente é interpretado como a casa da mãe Joana pelos estrangeiros. (Falo a gringa não por preconceito, mas para os leitores não a identificarem. Não pelo nome pelo menos...)

Com pouco tempo de conversa Kelly acorda e é seduzida pelo canto da sereia (barulho de fofoca) e se junta a nós. Os detalhes aumentam, a indignação também. Após exclamações, reclamações, críticas e discussões, Nina diz:
- A melhor hora foi quando Kelly gritou: BRIGUE COMIGO EM PORTUGUÊS!!!!

Aí sim nos permitimos a risada. Acordamos até a gringa. Forçamo-la a tomar um banho e enquanto isso arquitetávamos a sua "devolução" para o seu anfitrião oficial. Outra aventura. Mas essa merece um novo texto.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Novo vôo.

Minha coruja não toca mais guitarra,
Resolveu tomar novos ares,
Visitar os amigos,
Conhecer o luthier que concebeu seu instrumento.

Acho que volta,
Espero que volte,
Com boas lembranças,
E com um pouco mais de habilidade com as cifras.

Terá bons professores,
Disso tenho certeza.
Novos acordes e batidas para alegrar a sua viagem,
Acho que estou até com inveja.

Conheça novos ritmos para me ensinar na volta.
Com a mesma alegria e intensidade.
Estou feliz por esse seu vôo.
Muito embora tenha ficado a saudade.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

As estações.

Chega logo, primavera. O inverno é muito frio e ... suas flores são tão belas.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Mar revolto

Tantas loucuras, promessas de rebelião, e procurava a calmaria das águas claras. Não disse que ia te levar pra um cruzeiro. Sempre soube que as águas eram turvas e a viajem turbulenta. Falei que a fantasia do carnaval estava pronta, e você ficou em casa com medo da chuva. Porque tanto medo?

As nuvens escureceram no céu e os marinheiros olharam-me desesperados, duvidosos, com receio de que eu desistisse, mas pedi que abrissem as velas. Quem quis desceu do barco, mas quem seguiu ainda não se arrependeu.

Abandonou-me na tempestade o marinheiro a quem dedicava o maior zelo. Não quero julgar sua fidelidade. Proteja-o, Senhor, dos seus instintos, e ajuda-me com os meus, porque esses são incontinentes.

Disse-me que não queria seguir por que o balanço do mar o enjoava, mas desceu do barco e logo subiu em outra jangada. Marinheiro, marinheiro... tenha cuidado com as ondas, respeite o mar.

Nas minhas orações peço Yemanjá para cuidar de você. Dar-te o colo e o carinho que não quer receber das minhas mãos. Dorme o sono dos justos, ainda que esteja longe de sê-lo. E quem sou eu pra falar de justiça, ladrão condenado, sem perdão, sem bagagem, sem riqueza. Dos bens que trago no bolso nada é mais valioso do que eu ofereci e julgou pouco. Minhas canções de amor, minhas promessas falhas.

Sem escudo nem espada, capitão bandido é meu nome, homem rude, grosso, viril, feio, desajeitado, tosco, não diria sem sorte, apesar de às vezes apostar na onda errada. Um homem de fé, que ama o mar e chora toda vez que acorda e dá bom dia aos seus colegas de tripulação e sente falta de um marinheiro.

Não posso ancorar no cais vendo você se aventurar de proa em proa. Se, sabe que amo as ondas, sabe onde me encontrar. Será um prazer recebê-lo de volta caso queira voltar. Sem retaliações, garanto. Mas hoje sinto que não posso prometer falta de perigo ao navegar por esse mar revolto.

 
Ana Míria Carinhanha

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ave, Dona Bezinha!

Em seu rosto as marcas além da idade.
No meu rosto o saudosismo e a reverência à sabedoria que não se encontra em livros.
Os anos rompem depressa e hoje seus traços transcendem a beleza estética e ultrapassam a perfeição.
Metafísica apresentada em seus olhos: contadores de lembranças, heranças, doenças, crenças, perdas e vitórias.
Mito vivo de amor e perseverança.
Ressurreição de uma verdade contada em erros e acertos.
Sim, vale a pena viver e aprender, SEMPRE!
Ave, Dona Bezinha!


Ana Míria Carinhanha

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Aulas de matemática.

Do andar de cima da biblioteca o vi dormindo na poltrona do saguão como uma marionete sem o seu manipulador. O pescoço parecia o eixo Y do plano cartesiano, buscava o chão para fincar a cabeça. A vontade que eu tive foi de parar a aula de matemática e ir chorar no banheiro para não fazê-lo na frente da criança.
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Mas o pior momento aconteceu quando ela avistou o pai lá embaixo naquela situação, esperando que a aula acabasse para que pudessem ir embora, e olhou para mim com tristeza, e riu sem graça como se me perguntasse se eu estava vendo.
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- Vamos lá, vamos lá. A prova é amanhã, vamos tentar terminar pra você poder ir embora com o seu pai.
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Fiz o meu papel de “professora” e voltamos às tarefas com a intenção de ignorar o que estávamos vivendo. Batalha de Dom Quixote: ela não se concentrava. “1 X 1 = 2”, “3/2” divididos por “4/5” nunca se aproximavam de “15/8”, a simplificação era uma tortura, as equações então, nem se fala, o “X” virava “%#X*!&”, e o pior é que eu sabia que ela sabia aquilo tudo. Já tínhamos feito exercícios bem mais difíceis outras vezes.
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Confesso que eu estava mais ansiosa para aquela aula acabar do que a própria criança. Não duvidava da minha capacidade de “ensinar”, muito menos da inteligência do aprendiz, mesmo se tratando das arbitrariedades da matemática. Mas o que mais me doía era saber ser praticamente impossível aquela cabecinha se concentrar em números quando a mãe estava doente em outro país.
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Mas eu não podia desistir, o apelo daquele pai, agora pai-mãe, me pedindo para ajudá-lo com a filha para que ela não perdesse o ano me trouxe um compromisso que fiz questão de cumprir. Moribundo, cansado, triste, arrasado, no entanto, dedicado, esperançoso, responsável. Como o admirei naquele momento!
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Fiz todo esforço que pude para ajudar. Fizemos mais alguns exercícios, corrigi algumas outras questões, tiramos algumas dúvidas e encerramos mais de uma hora depois do previsto. O rendimento estava péssimo e, pra piorar, por conta do atraso, a aula de teatro já era. E parece que ela não se importou muito. Na verdade, com a confusão que deve estar na cabeça não devem ter outras coisas que importem tanto quando a saúde da mãe e a idéia de ter que mudar de país de novo.
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Descemos as escadas comentando que era preciso mais concentração e organização, os espaços oferecidos para resolver as questões eram muito pequenos, principalmente para uma criança ainda não tão limitada quanto os adultos. Lá embaixo repeti o mesmo discurso para o pai e desejei boa prova.
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Seguimos juntos até a parte em que o caminho bifurcava para os nossos destinos tão diferentes, mas com o pensamento na mesma pessoa. Para eles uma mãe, uma esposa, para mim uma amiga.
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No dia seguinte a ligação esperada. Ela não tinha ido muito bem na prova. "Precisaremos de mais encontros", disse-me o pai. Isso eu já imaginava e expliquei mais uma vez: ela sabe o assunto, mas está desestimulada, desconcentrada, errando coisas simples que já fizemos uma centena de vezes. A cabeça dela deve estar um turbilhão, é preciso ter paciência.
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Do outro lado da linha o desabafo daquele pai me dilacerava em pedaços cada vez menores e que pareciam se afastar dificultando um reagrupamento que permitisse uma estabilidade mínima para organizar uma resposta. Senti-me impotente diante da dor que também sentia, mas no caso dele elevada a uma potência bem maior.
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Além do medo da filha perder de ano num contexto tão turbulento, da tristeza de estar longe da mulher que ama, e de ter que exercer as funções suas e dela, da probabilidade de ter que mudar de país de novo, e de todas as incertezas decorrentes disso tudo, somavam-se os recém conhecidos problemas burocráticos envolvendo a viagem que iriam enfrentar em breve: necessidade de uma autorização que custaria mais de 500 km viajados até a embaixada brasileira, por uma pessoa recém operada, para que ele pudesse viajar com os próprios filhos.
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Não hesitei e, com o mínimo que pude, prontamente me dispus a ajudar uma, duas, três, quantas vezes fosse preciso. É claro que torcendo para que não fossem tantas, primeiro, pelo motivo óbvio da vontade de não precisarem mais de “aulas de reforço”, e agora pela tristeza que sentia e ainda não conseguia controlar diante da situação.
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Queria retribuir de alguma forma todo o carinho que eles tinham por mim, desde o pequenininho, fazendo questão de passear no meu colo pelas ruas do centro histórico, ou segurando a minha mão ao sair do teatro, ou me pedindo para tocar para que ele pudesse dançar, ou me contando de como ele jogava bem capoeira e futebol; à minha “aluna” adolescente tagarela que me chamava de chata, e queria falar sobre tudo, e dizia que eu era má por fazê-la fazer cada vez mais exercícios e não dar as respostas com a moleza que ela queria, mas me ligava contente no dia seguinte dizendo que tinha tirado a maior nota da sala, radiante, agradecida, e me chamando de cdf; ao pai que ligava agradecendo e marcando as “novas” aulas porque a primeira prova da unidade nunca era boa o suficiente para dar-lhe segurança, ou quando me convidava para almoçar; à minha colega que me acolheu como mãe, me aconselhava, e me acompanhava nos trabalhos da faculdade, e ria das minhas presepadas, e agora, em outro país, numa situação tão delicada, ainda encontra tempo para me dizer que sente saudades.
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Amiga, sinto sua falta! Estou triste. Não esperava que essas férias de inverno fossem nos trazer tão ingrata surpresa. Mas te espero com a alegria de quem tem fé e acredita nos bons ventos. Um beijo.
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Com carinho,
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Ana Míria.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Grata!

Obrigada a todos que compreenderam minha instabilidade e falta de lucidez.
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Obrigada àqueles que me ajudaram com os prazos da selva, ainda que eu tenha falhado em muitos deles.
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Muito obrigada aos que respeitaram a minha debilidade, contudo, sem deixar de mostrar os muitos caminhos que estão ao meu redor.
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Estava com os olhos turvos e confesso: às vezes as lágrimas voltam a me cegar.
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Mas hoje só quero agradecer aos que acreditaram/acreditam em mim e me acolheram com ternura.
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Aos que me sacudiram e me convidaram a um momento de auto-crítica difícil, mas necessário.
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Aos que simplesmente me amaram no silêncio de sua insegurança, sem as tão famigeradas palavras certeiras, mas com braços prontos para me amparar.
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Aos que sorriram, aos que brincaram, aos que brindaram mesmo sem saber que por dentro eu me desfazia em tristeza.
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Obrigada aos enunciadores das palavras certeiras, ainda que eu não as tenha escutado e incorrido no erro uma, duas, três, quatrocentas vezes mais.
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Obrigada pelas ligações, e-mails, mensagens, cartas, poemas, músicas, olhares, orações.
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Estou grata aos que se preocuparam comigo sem expectativa de retorno, mas confiantes na minha "reabilitação".
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Agradeço aos que sentiram a minha ausência e fizeram questão de se livrar dela.
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Sem grandes promessas, sinto que estou voltando.
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Com o peito rasgado e ainda muito ferido, olhos marejados, cabelos despenteados, pés vacilantes, mas dispostos a caminhar.
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Hoje me sinto feliz por ter reconhecido em vocês novamente outros muitos amores.
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Obrigada.
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Ana Míria Carinhanha

domingo, 8 de agosto de 2010

Escute o conselho de quem nem te conhece direito.

O jeito é dizer com a cara o que não pôde dizer com palavras.
Ela te ama infeliz.
Melhor, ela te ama, INFELIZ!
Faz-se de besta?

Escuta o conselho de quem nem te conhece direito.
Não ponha à prova essa menina que ter quer tão bem.
Ela não vai adivinhar o que você deixou “não-escrito” nas entrelinhas.
Deixa tudo bem claro: que você também a quer.

Isso é o que penso.
Mas se você não escuta quem te quer bem e já disse isso com todas as letras.
Não vai ser a mim que você vai ouvir.
Se nem te conheço direito.

Vai saber...
Essa gente estranha que não mais se abraça
Que tem medo do outro
E tem medo de se sentir só.

Se são eles próprios que se afastam.
Tornaram a si mesmos intocáveis.
E sentem falta da pele, do cheiro, do calor.
Falta ou excesso de humanidade?

Querem domar os instintos.
E se “reificam” cada vez mais.
Querem fugir dos abismos.
Mas aumentam a distância entre si.

Onde foi parar toda aquela racionalidade!
Ignoram por ignorância.
Temem tanto a solidão,
E conseguem temer mais a si mesmos.

Vai saber...
Quem sabe alguém me escuta.
As beatas ou as putas.
E escutam o conselho de quem nem as conhece direito.



Ana Míria Carinhanha.

Da discutibilidade das formas à imortalidade da palavra.



"Demorar-se na leitura e saborear as palavras é um luxo que poucos têm ou se dão na atualidade". A globalização trouxe junto com os analfabetos, diferentes tipos de leitores que agora precisam acompanhar o ritmo frenético das relações.

A velocidade impressa por esses novos tipos de relação moldaram os novos leitores. Mudanças históricas como a revolução industrial; revolução tecnológica e a própria “evolução” econômica condicionaram os leitores a um ritmo muito mais esquizofrênico do que eles são capazes de assimilar.

O bombardeio de notícias e os “assuntos do momento” revelam a mudança da produção com relação a sua quantidade, que aumentou, e à sua qualidade, que diminuiu. Mas por outro lado é preciso louvar o aumento significativo daqueles que passaram a escrever, não necessariamente em palavras, mas a exteriorizar suas formar de ler o mundo, que antes eram mais restritas e arbitrariamente selecionadas. Não que tenham deixado de ser, mas precisamos pontuar que essa situação melhorou bastante.

Voltando! Não só os objetos de leitura mudaram de perfil, como os próprios leitores. Mais do que nunca, ler é também consumir, e como se consome, se lê. É perceptível que a leitura está em quase todos os lugares habitados (naqueles em que é interessante para os emissores que a sua mensagem chegue). Mesmo que uma pessoa saia de casa disposto a não ler (absolutamente nada), esta o fará (desde que saiba, ou ainda para além da leitura escrita) em outdoors, propagandas de TV, filmes, e-mails, etc...

A contemporaneidade oferece ao leitor inúmeros signos a serem lidos, e este o faz, muitas vezes sem nem perceber. Para além das arbitrariedades institucionalizadas da língua escrita, precisamos discutir nossos códigos de comunicação. Eles estão por si, fora e dentro das nossas casas, nos dizendo muitas coisas que não filtramos, e, por isso, não as discutimos, e, por isso, as não questionamos.

A revolução tecnológica trouxe várias possibilidades inovadoras para a comunicação, dentre elas recursos de áudio e vídeo nunca antes imaginados. Hoje é possível e “real” assistirmos, ao vivo, a um evento que ocorre a milhares de quilômetros de distância, pode-se pensar que em milésimos de segundo a TV, o rádio, a internet e as redes telefônicas atingem milhões de espectadores. Como pensar então a sobrevivência da palavra em meio a todas as maravilhas da atualidade?

Simples, a palavra também é uma maravilha. A palavra materializa e, principalmente, ela se adéqua aos meios de comunicação: da carta manuscrita ao e-mail digitado (que não deixou de ser escrito à mão, mas que agora também pode ser ditado). Estar com o que se lê em mãos é poder recorrer à idéia sobre a qual se lê, seja por meio de papéis, computadores, ou recursos outros de “áudio e vídeo”.

É preciso, no entanto, refletir sobre esse novo modelo de leitor e de leitura. É certo que os novos signos e suas combinações permitem infinitas possibilidades interpretativas, de exposição, e, o mais importante, de expositores, mas, juntamente a essas novas possibilidades, as informações vêm de forma efêmera e fullgás.

Esse processo é capaz de trazer ao homem inúmeras informações de diversas formas, mas esse mesmo homem não está sendo capaz de filtrá-las. Falta tempo para experienciar aquilo que lhe foi informado. A procura por saber de tudo, ou um pouco de tudo castra as possibilidades de vivência e reflexão. Isso tem tornado os discursos vazios, meros reprodutores.

De fato, não acredito que o ipad irá desbancar o bom e velho livro, mas, para além do ritual da leitura materializada em tinta e papel, acredito que convém discutirmos também a arbitrariedade da língua escrita e o seu processo de institucionalização, bem como a efemeridade das informações veiculadas em meios oficiais, e, mais ainda, a democratização dos meios de comunicação e o processo de castração que vêm sofrendo sob discursos maquiados.

Desculpem a contradição de alguém que sabe da existência das infinitas possibilidades de leitura e que aqui ainda se priva comunicar sob o instrumento da palavra escrita. Mas prometo que nos vemos por aí em outras formas e sem tantas formalidades. Sobre as promessas, leiam meu último cigarro (está num desses textos anteriores).

Ana Míria Carinhanha.

Tá na rede! E agora a culpa é da internet!



Como utilizar bem as redes sociais virou assunto principal nas entrevistas com jogadores de futebol, de comentarista de programa esportivo na TV, e de mais um monte de gente que não se atentou (alguns propositadamente) para a explosão das discussões sobre a internet antes mesmo da confusão causada pelos meninos do Santos.

Há muito tempo as discussões sobre a internet vem sendo travadas no campo acadêmico e também jurídico. A ânsia por regulação apresenta-se agora como mais uma tentativa de conter esses fluxos de informações desequilibrados pelas redes.

Nada cai melhor para essa situação quanto o dito popular que diz ser necessário olhar para as duas faces da moeda. Infelizmente temos o hábito de demonizar as coisas quando elas fogem do nosso controle sendo que nós mesmos as produzimos e colocamos à disposição.

Todo o conteúdo disponível na internet foi colocado lá por alguém.

A internet é o espaço "i"material em que as pessoas, e ninguém ou nada além delas, falam, escrevem, catam, encenam o que pensam. É o espaço onde podem atuar sem a castração dos veículos de mídia convencionais. Com exceção é claro daqueles lugares que ainda não "suportam" ou já demonizaram de modo preventivo os perigos da rede.

Bem ou bem, a internet representa a democratização da informação. Se, de fato um jogador de futebol gasta mais com a ração do cachorro do que um torcedor recebe de salário por mês, o erro não está em ele exteriorizar isso, muito menos a culpa é da internet, mas dos homens que acham normal a concentração de renda, os salários milionários do futebol e a miséria dos proletariados convencionais, e dos que permitem isso sob a condição de um discurso velado e hipócrita.

A internet assim como toda técnica em si não é maléfica. São elementos condicionados a práticas em que o homem é o ator fundamental na determinação da finalidade à qual se destinam.

O que Ronaldo pensa sobre as férias de Felipe Mello depois da copa do mundo é o que Ronaldo pensa sobre as férias de Felipe Mello depois da copa do mundo. É claro que a exposição midiática e o endeusamento de alguns personagens por essa mesma mídia fazem desses personagens fortes formadores de opinião da população em geral, mas, de novo, isso não é culpa da internet, é culpa da ética utilitarista da mídia.

A internet não é capaz de se auto-determinar. Ao mesmo tempo em que oferta novas possibilidades de comunicação, inovação tecnológica, também é através dela que vinculamos vírus, e possibilitamos o cometimento de agressões despersonalizadas. Temos o hábito de dizer que a internet encurta distâncias ao passo em que torna os homens mais solitários. Mas não vemos que não é a internet que faz isso, somos nós, os homens.

A despersonalização dos homens e a personalização da internet é que é danosa, e não a abrangência da técnica informacional. O homem é que tem a capacidade de se auto-determinar e decidir o que fazer ou não com determinado instrumento.

A insegurança “provocada pela rede” é divulgada na mídia com o objetivo de nos fazer temer a internet, quando na verdade são os homens determinados que querem se fazer temer (e se fazem através dos seus discursos) de forma bastante direcionada ideologicamente, e, por isso, divulgam, reiteram e exploram esses medos que, de quebra, ainda são rentáveis.

Espero que a “vontade de correção” dos homens que dominam os poderes das leis não pretenda conter esses fluxos de forma anacrônica, ineficaz e descartável, mais uma vez. Querem calar, de novo, com restrições, força e coerção os que “falam o que querem sem medo de serem punidos”. O discurso da correção pela punibilidade também precisa ser discutido, não serve mais de parâmetro para justificar a coerção por si mesma, que não deixa de ser uma violência. É por isso que ainda vivemos regidos por uma legislação do pânico.

Espero que a exploração desse medo não se torne motivo para restringir de forma sorrateira mais um meio de comunicação que hoje amplia nossas possibilidades de democracia. Querem calar quem nunca teve a oportunidade de falar enquanto discursos bem mais violentos são exibidos em “horários nobres” por emissoras autorizadas via concessão pública.

Não que os telespectadores ou usuários das redes sejam ingênuos, mas os discursos veiculados são muito bem costurados, articulados, e ideologicamente direcionados, além de terem o poder seletivo de escolher o que sai e o fica “no mundo real”. Os petiscos de realidade divulgados cotidianamente acabam construindo os nossos pratos principais. Além de interferirem no “menu” ainda escolhem a nossa sobremesa.

E é não só por esperar, que hoje, através da internet, eu me manifesto com liberdade, a favor desse instrumento facilitador, quando muito provavelmente em outros meios de comunicação eu não tivesse abertura para me manifestar dessa forma.


Ana Míria Carinhanha.