terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estaremos sob o mesmo céu

A grande questão que circunda a nossa existência é o porquê de existirmos. Hoje me aventuro a responder a essa pergunta consciente de toda audácia que trago comigo. Digo de avanço que decepcionarei os cartesianos e também os sonhadores. Esse texto não é escrito com a pretensão de ser útil, muito menos de ser inútil.
Degustei-o ao seu paladar.
Sem grandes suspenses: o sentido da vida é compreender os fenômenos sociais em escala micro. A partir daí "o que fazemos com tudo isso" fica a cargo da individualidade de cada um e da forma como ressignificamos a nossa "vivência" e, por que não, a nossa existência.
Muitos diriam que o sentido da vida é a busca da felicidade. Até Freud em seus estudos sobre o inconsciente nos fala da busca pelo prazer e a evitação do desprazer.
Vou mais além.
Também vou além do "aprender com os erros, com o sofrimento", e além das "coisas que talvez nunca entendamos". Acredito em todos esses prenúncios mas, há poucos dias, consegui organizar um mar de idéias que me afogavam dentro da minha própria cabeça.
Conheci um sírio, à primeira vista um homem comum, como todos os outros que, por sua vez, também são comuns até que conheçamos a sua história, sua percepção do mundo, seus sentimentos... (é importante destacar essa passagem). Nunca imaginei refletir a guerra na Síria através das olheiras de um homem.
Ele me falou de política, de família, de amor, de religião, de música, de profissão, de viagens, de ajuda ao próximo... era um turbilhão de pensamentos revestido de uma resignação calma, quase triste.
A vida que habitava aquele homem o sustentava sobre um corpo magro, angustiado pela guerra no Oriente Médio, talvez pelo temor, pela impotência, e julgo eu até por um agradecimento de ter tido uma alternativa de fuga quando muitos não a tiveram. Não falo somente da fuga física, mas a fuga mental. Em seu quarto vi livros de ciências, filosofia, artes, religião, uma fotografia do seu pai engomando uma calça clara, e ele me relatou um pouco das suas noites de insônia, das mortes dos seus próximos, da incerteza do amanhã, da beleza do hoje, do que já tinha feito na vida. Conversamos por horas, mas acho que ele ainda se pergunta o que a vida fez dele.
Esse homem e essa conversa me fizeram refletir por mais algumas horas, que por sua vez, me remeteram a corriqueiros dias em que eu assistia os jornais, discutia textos na universidade, ouvia conversas sobre esses  temas "delicados" da existência humana: guerras, ditaduras, fome, miséria, abandono, dependência química, câncer, suicídio, eutanásia, famílias desestruturadas, alcoolismo, violência doméstica, machismo, homofobia, loucura, intolerância religiosa, racismo, xenofobia...
Fui tomada por uma melancolia particular, quase existencial, ao me questionar sobre todos esses "problemas" cuja existência algum dia eu já tinha sido "informada", mas que aos poucos foi "vivenciando", aprendendo de perto um pouco mais sobre cada um deles.
Ao emprestar a pele para sentir cada um desses problemas, colocar-se no lugar do outro, praticar a escuta, sensibilizar-se, o noticiário sai das páginas e das telas e deixa de ser virtual para tornar-se real. Cortam, machucam, ferem, fazem sangrar.
Não é uma tarefa fácil trazer para si e imaginar-se no lugar no outro.
Por outro lado, quando o sujeito figura como núcleo ativo do conflito é mais simples compreendê-lo. Infelizmente, adotamos um modo de enxergar e solver conflitos que ainda coloca as normas e as instituições como o centro de tudo, quando na verdade não nos damos conta da perversão presente na inversão desses papéis. O sujeito cria as normas e as instituições e logo após é feito refém das mesmas, e na maioria das vezes não percebe que são alguns sujeitos que dominam as normas e as instituições e as utilizam para oprimir os demais. O excesso de poder e de força não é sábio e não é sabiamente utilizado, tampouco sensivelmente compreendido. O excesso de poder, por si só, já configura uma perversão, algo "extremamente" perigoso. Maquiavel e a teoria da divisão dos poderes explicaria essa questão melhor que eu, mas tentarei explanar sobre outro ângulo.
Atualmente, em nossa sociedade, para se "ter" poder sobre normas, instituições, e "pessoas" é preciso qualquer coisa como "recurso financeiro", "recurso político" e, por vezes, "recurso acadêmico" (o que, por sua vez, não são recursos suficientes para fazer dessas pessoas as mais aptas a "ter" o poder). O ideal seria que as pessoas não "tivessem" poder umas sobre as outras, e que a diferença de poder entre elas fosse tal que não as impedissem de transitar entre, opinar sobre, e até modificar algo relativo aos "espaços de não poder" e os "espaços de poder".
Considerando, contudo, que essa não é uma realidade próxima, suponho que as pessoas que detém o poder, deveriam primeiramente "compreender os fenômenos sociais". A compreensão desses fenômenos que aqui chamei de "sociais" (consciente, contudo, que ultrapassam a essa nomenclatura) vai além da capacidade estritamente racional de compreender um fenômeno, constitui-se uma compreensão sensível. Aí está a diferença entre ouvir e escutar. A compreensão da qual vos falo não é uma compreensão que prescinde de escuta, pelo contrário, é a compreensão na qual a escuta é imprescindível. A escuta "dialógica" que carece também de uma pulsão de vida, capaz de doar alternativas, força de vontade para querer contornar os "problemas", buscar novas possibilidades, e enxergar a beleza do "por vir", bem como do que se pode desfrutar do que foi feito. É aproveitar o que se pode fazer com o que já foi feito para desfrutar o se fará, sem contudo pensar com um utilitarista. É oferecer mais que um ouvido, mas também o ombro e uma palavra, quem sabe até uma dúvida. É dizer que se pode caminhar junto, ainda que os caminhos não sejam os mesmos.
É saber que estivemos, estamos e estaremos sob o mesmo céu! É compreender as relações temporais a partir do cuidado com o outro e consigo.
Não sei em qual parte das minhas associações livres essa frase tomará sentido, mas me resta a certeza de que caminharemos juntos, ainda que fisicamente distantes.
Por fim, após ter conhecido o homem do qual vos falei no início desse texto, restou-me algo de felicidade por ter conhecido mais uma pessoa brilhante nessa vida. Não entendo como ainda não fizemos desse mundo algo infinitamente melhor, pois, ao mesmo tempo, não me canso encontrar pela vida pessoas fantásticas, de enxergar nas pessoas esperança, solidariedade, sensibilidade, amor.
Eis então o sentido da vida, compreender o céu como um guardião de pessoas que se encontram pela vida. Um guardião de surpresas.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

In versos

Tome as rédeas,
Tome cuidado,
Tome seu tempo,
Tome café amargo
E valorize a doçura.

O lençol com listras laranjas.

Não pensei que fosse algum dia sentir uma alegria tão grande ao encontrar na gaveta um lençol com listras laranjas. Lembro da cena da minha mãe dobrando-o para colocá-lo na mala. O seu olhar vacilante fugindo do meu, simulando uma força que nem ela acreditava ter. Sinto o carinho em cada dobra de roupa que eu abro. Apesar de serem roupas antigas (e justamente por isso) é a primeira vez que as uso aqui em Bruxelas. Deixei o Brasil há quase três meses e ainda guardo algumas roupas sem usar só para conservar o cheiro do amaciante e o lugar das dobras.
Quando pequenos, eu e meu irmão tínhamos inúmeras pequenas alergias. Ficamos um bom tempo sem usar cobertores de lã; não podíamos beber leite de gado, chegamos a ter duas cabras no nosso quintal; viajávamos periodicamente para uma cidade maior e tomar vacinas; tinhamos também alergia a frio, a garganta sempre mais sensível acusava logo que algo não ia bem... as febres, os enjoos, a pele empolada, as internações, a minha "quase morte" quando caí de bicicleta embaixo de um caminhão. Lembranças que guardo com carinho só por lembrar o olhar doce da minha mãe a cuidar da gente. Como sou egoísta. Fico feliz ao lembrar das suas olheiras e das noites de sono que perdeu por nossa causa.
Lembro do dia em que meu irmão mentiu, viajou com a namorada e deixou um bilhete avisando que não iria dormir em casa, e só tarde da noite a minha mãe pôde lê-lo. Meu pai estava viajando, então minha mãe pegou um táxi e foi até Lençóis buscar meu irmão que voltou com ela no táxi. Não foi uma viagem curta. Em silêncio. Sem muita briga, sem gritaria, sem ressentimentos. Parecia ter passado em branco não fosse a resposta que ela deu ao meu irmão no natal quando ele pediu uma guitarra de presente: - "O dinheiro da guitarra eu gastei com o táxi quando fui te buscar em Lençóis no dia em que você viajou escondido. Isso não se faz." Sempre admirei esse jeito dela nos educar, o seu silêncio dizia mais que qualquer palavra e soava mais alto que qualquer grito.
Lembro do dia em que meu primo-irmão pegou o carro escondido para dar cavalo de pau e bateu o carro colocando-o entre um muro e uma árvore. Perda total, sem seguro, o carro foi direto para o lixão e vendido como sucata. A resposta: "ainda bem que ninguém se machucou, você não deveria ter pego o carro escondido". Ela tinha feito uma cirurgia de varizes e o médico pediu repouso, mas não tínhamos dinheiro para comprar outro carro tão cedo. Cada caminhada até em casa, ao supermercado, não poder viajar nas férias, não houve castigo mais doloroso. Entretanto seu olhar era sempre doce, ela sabia que isso já doía muito na gente, não precisava falar nada além, seria um castigo desnecessário e violento.
Sempre tive muito medo de machucá-la, apesar de ter inveja dos meus irmãos quando os via fazer essas "loucuras" que me instigavam muito.
Vir para a Europa talvez tenha sido a minha maior rebeldia. Vejo isso claramente nas letras do bilhete que encontrei na minha mala, vacilantes, custosas a serem escritas, riscadas com força, como as de um menino que aprende a escrever.
Não, mãe, não deixe morrer um pedaço do seu coração. Infelizmente você fez muitos a sua volta dependentes dele, e eles precisam de um coração inteiro.
Não sei em qual parte do caminho nos perdemos, onde passei a ver suas imperfeições. Você passou a gritar mais, e eu preferia seus tons graves, quase silenciosos. Eu amava mais seu outro silêncio, de compreensão. Talvez eu tenha desaprendido a interpretá-lo. Talvez eu tenha te admirado tanto e me resignado à ideia de não poder/querer ser igual a você, é muita renúncia para uma vida só e eu sou muito egoísta. Talvez eu não queria que um filho escreva algo como isso para mim um dia. E com certeza nunca conseguirei amar alguém como você nos amou. Talvez eu fale isso porque eu ainda não seja mãe. E talvez haja muitos "talvez" em minhas ideias. Mas isso não me incomoda porque sei que você me ama apesar de todas as minhas incertezas e imperfeições. Apesar de não ter encontrado um sabão para lavar as roupas que as deixe com o mesmo cheiro de quando você as lava, apesar de não conseguir dobrar as roupas tão perfeitamente como você as dobra. Apesar de te amar incondicionalmente e não saber como dizer. Apesar de me fazer dura quando você me pede para voltar e eu sorrio como se não houvesse saudade. São pesares tão falsos quanto o nosso silêncio. Os dias em branco, sem a sua voz e o seu cheiro para preenchê-los, seu olhar e até as suas inúmeras reclamações. Desista, eu nunca chegaria aos seus pés. Poderia escrever livros, o equivalente à capacidade da minha memória, e ainda assim não seria capaz de traduzir o que você significa em nossas vidas e o que você é capaz de fazer.
Mas, como você sempre me ensinou a tirar uma lição positiva de tudo, agora pelo menos agora eu entendo o que é um "chagrin": é ficar triste em ter que usar as roupas e vê-las perder o perfume e as dobras da antiga lavagem. Não é uma tristeza, nem chega a ser uma melancolia, é um pequenino pedaço dos dois acompanhado de uma resignação que se assemelha a uma saudade.

domingo, 11 de novembro de 2012

Achados e perdidos

Saio,
Se te encontro, 
Não sei se volto.
Pleno descontrole... 
É o que habita meus dias, 
Meus sonhos,
Minha pele.
Seu toque, 
Seu echarpe na cabeceira da minha cama não me deixam dormir. 
Sinto o seu cheiro a me penetrar madrugada a fora 
E, por fim, acordo cansada,
Inebriada de ti, 
Com vontade de repetir o seu nome no diminutivo, 
Várias vezes.
Cansar a língua enquanto os lábios descansam, 
Grandes, pequenos, 
São todos poucos os sorrisos que guardo para ti. 
E seu peito me acolhe tão bem, moreno. 
Me aconchego tão fácil que penso ser meu 
O homem que se faz menino. 
Suspiro sem querer,
Profundo. 
Todo o cuidado dado 
Quando estou do seu lado 
Me faz refletir:
Tão atrevida a vida. 
Perdi, menino, 
Perdi o controle sobre mim 
E temo que você o encontre.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O mundo fantástico da Ana.

Não consigo desacreditar no mundo conhecendo pessoas tão fantásticas.
Obrigada, pessoas fantásticas. Vocês me fazem acreditar que as pessoas não fantásticas são minoria, e que ainda tenho que conhecer muitas outras pessoas fantásticas.

sábado, 3 de novembro de 2012

Saudade sem fim

Deveria ser proibido
Tanta saudade num peito só.
Não tem coração que aguente,
Não tem pulmão que sustente,
Definitivamente,
Não cabe
No coração desse sujeito,
Batendo dentro do peito,
Essa saudade sem fim,
Essa saudade em mim.
Transborda os meus lados,
Revirando até o meu avesso.
É tanta falta
Que não sobra nada.
Corta feito navalha,
Invade feito ferrão,
Aperta que nem camisa de força
E depois me larga no precipício
O abismo sou eu,
No fundo da solidão de mim.
Me caio sem chão
E me resta a quase certeza:
Ela existe sem mim,
Êta saudade sem fim.