quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Qual é o limite?

Seria pretensão demais querer responder a essa pergunta sem antes questionar: o que é o limite?
Limite é a borda, a contensão, o marco de ruptura, o ponto que instaura o início do transbordo, onde a conteúdo não mais se controla, porque escorre para fora de si. E justamente, por não correr para qualquer lugar, escorre até esbarrar noutro limite, ainda que seja o limite ontológico do que se quer limitar.
Todo limite expressa uma hierarquia superior barrante que determina até onde se pode ir, que delimita, ou seja, dá limites. Nesse sentido, o limite se reproduz tantos quantos sejam os conteúdos a limitar. Estes, por sua vez, os conteúdos, são igualmente capazes de romper esses limites e transcender aos outros que se anunciam como condição de sua existência. Relações de poder infinitas: o (i)limitante e o (i)limitável.
O limite é a relação entre possibilidade e transgressão. Ele vai até onde a transgressão o transcende.
O limite é o mito, nós, o Sísifo. Precisamos escolher como vamos carregar as pedras e subir a montanha.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A palavra ausente

Angústia solene
Enrubesce a face
Embrutece a frase

Diz
Desdiz
E não se encontra...

Como se perde um amigo?

Beleza interior

Pareciam dois olhos,
mas eram grandes janelas
com uma vista indescritível...
Fizeram-me lembrar do sábio chinês que nunca conheci,
mas que sempre imaginei como um homem bom e sereno.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Deposição


Desce o Cristo da cruz
Nos braços cansados dos homens
Que depuseram a sua divindade
E depoem em nome dela.

Imagem: Deposição de Cristo, Caravaggio.

O menino que não esquecia

Seu, seu, seu...
Mnemônico!
Lembra de tudo,
Não esquece de nada,
Vai estourar.
Não dorme direito,
Não vive direito,
Não esquece de lembrar...
E, se se lembra de esquecer,
Não renuncia,
Guarda a lembrança
Jamais esquecida.

O poder e o afeto

É possível,
Não se renda.

Você pode
Ao poder
Render-se.

Renda-se,
Insita.

Renda-me,
Suscita.

Renda!
Não crê.

Renda!
Não vê?

Rendar,
Render,
Não rende...
Rendar?

Renda!
Borda a barra da saia
Cantarolando,
Vê os carros que passam,
Amando a amendoeira que cresceu ao lado da sua janela.

Acostumar

Visto desejo com roupas novas,
Mas ele sempre relembra as antigas.
Contorcendo-se por entre as malhas,
Reclama da textura dura demais para sua pele macia e sedenta.

Por mais que tente lasciar o tecido.
Apanha do pano.
E é vestido assim mesmo,
Envolto pelos novos cortes.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Contas de um viajante

Gasto contigo meu último minuto
Para não me arrepender do prejuízo
De ter lucrado com a tua ausência.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O azul consternado


Às vezes me parece
Que a gente se conhece
Do fim do mundo

Da curva mais rasa

De onde eu sentava
Para ver melhor
E tomar o vento na cara

Os barcos passavam velozes
E, como detritos a rolar,
A água rasgava suave a pele
Numa dorzinha gostosa

Me faziam lembrar da vida

Viva! Não era só uma curva
Era todo um arranha-céu
Com o céu no topo e o mar no chão

Do azul que me mergulhava
E que ninguém via

E ele corria pela rua
Gastava toda a rua
Em sua procura incessante

Querendo direção

Quase um pedido

Quero um amor bem grande
Do tamanho da minha saudade
Que me toque com ternura
E me ouça com amizade
Que me beije com tesão
E me mate a vontade

E que depois de me saciar,
Me abandone por um tempo
Para eu sentir a sua falta,
Ver aumentar a necessidade,
O desejo, a vontade,
De querer um amor bem grande,
Do tamanho da minha saudade.

domingo, 11 de setembro de 2011

Por Manoel de Barros

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.

Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

sábado, 10 de setembro de 2011

Fogo no céu


Até parece que saiu do nada
Essa vontade de comer amora na varanda.
Ai, quem me dera
Se esse céu lilás pela janela do meu quarto fosse a sua cama.

Como eu queria ter os seus cabelos
Deslizando entre meus dedos, o seu olhar macio.
Ai, quem me dera ter seu corpo quente
Em minha pele tão carente nesse tempo frio.

Eu ia por fogo no céu,
Tirava a roupa ali mesmo no altar.
E se alguém me perguntasse por Deus,
Responderia: também foi amar.

Eu ia por fogo no céu,
Ficava nua ali mesmo no altar.
E se alguém me perguntasse por Deus,
Responderia: deixe eu pecar.

Deus mandou cuidar,
Cuidou e mandou cuidar.
Amou e mandou amar, amou...
Até parece que saiu do nada
Essa vontade de comer amora na varanda.
Até parece...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Transportes

Não,
Eu não sou um avião.
Sou apenas um barquinho
A velejar pelo oceano,
Por querer bem às ondas
E amar o vento.




Vaidade II

A vaidade é um bicho que come o homem pelo pé...
Deixa seguir caminhando,
apesar das mancadas.

Vai o sujeito...
se esbarrando,
Perdendo as pernas.

Com o baço corroído,
Não sente falta dos braços,
Tampouco do umbigo.

Segue o sujeito quase sem pescoço.
Aí se dá conta
De que está perdendo a cabeça.

domingo, 4 de setembro de 2011

Transbôrdo

Augusto partiu de novo...
Foi buscar a Prima Vera na rodoviária
e de lá mesmo arranjou outro destino.
Esse Augusto inventa cada coisa.
Não queta o cabo mesmo.
Bem que minha vó dizia:
As estações são pequenas demais para tanta gente!

Ressaca

    É onda que leva
 É onda que traz
      É mar que balança
          E não pode parar...