sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Então é Natal e Ano Novo também...



Durante o período de festas natalinas as pessoas falam de Papai Noel e consumismo, do nascimento e Jesus Cristo e valores humanos, de retrospectivas e projeções de vida... mas (para mim) além disso tudo, o Natal era a data em que eu tinha a oportunidade de estar com a minha família. Como somos numerosos e “espalhados” pelo mundo, no Natal nos reuníamos para a ceia, trocávamos presentes, fazíamos orações, estávamos juntos. E não temos como fugir ou negar isso, somos uma família imersa em uma sociedade "capitalista" que sempre celebrou reunida essa data "cristã" e ansiando por um “futuro melhor”. São três categorias inerentes ao nosso Natal.
Para mim isso foi sempre muito simbólico, me lembro da montagem da árvore e dos presépios, de buscar folhas no quintal para enfeitá-los, de desembolar o pisca-pisca, de ficar escondida atrás da porta para ver como os presentes “apareciam” na árvore de natal no dia seguinte. Não demorou para descobrirmos que eram os nossos parentes que colocavam os presentes lá. Na verdade, saber que o papai Noel não existia nunca foi um trauma. Era bom saber que a gente “se presenteava”. No presente sempre a etiqueta: De Papai Noel, Para: “fulano”. Tínhamos também na árvore umas meias de camurça vermelha com os nomes de cada um e dentro uma quantia em dinheiro, o bom é que ela acompanhava a inflação e ia aumentando os valores a cada ano J, quando era tempo de vacas magras ela vinha murchinha, mas a gente não importava muito. Sempre comíamos e bebíamos muitooooo depois da oração e estava tudo certo. Era uma miscelânea de graça e pecado, coisa de brasileiro, baiano, da minha família. Tivemos anos difíceis, com muitas lágrimas de dor, perdas, sofrimentos, aflições, mas a maioria deles foi de muitos sorrisos, vitórias, conquistas e realizações.
Lembro-me com muito carinho dos meus Natais. Temos o hábito de receber também os amigos que por qualquer motivo não passavam o Natal com as suas famílias, e a gente sempre vai correndo providenciar um presente para por na árvore para essa pessoa. E é muito legal quando a gente vê que alguém se sente bem na casa da gente, que se sente acolhido e que volta no ano seguinte. Que reza com a gente mesmo sem ser seu hábito. Um dia me tocou muito um amigo ateu me dizer que se sentia bem lá na casa da minha avó (onde a gente sempre se reúne para celebrar o Natal) porque ele se sentia acolhido. E que ele se sentia bem quando a gente ficava em círculo e se dava as mãos para fazer a oração. Aquilo era um ritual de carinho, de esperança, uma representação que alguns chamam de religião, de Deus, mas que a gente fazia por amor, e qualquer um que quisesse celebrar o amor ali naquela casa seria bem-vindo para fazê-lo conosco.
Esse é o primeiro Natal que eu vou passar fora de casa, longe da minha família. Mas eu gostaria de dizer a minha família e aos meus amigos que estou bem, que eu encontrei pessoas maravilhosas no meu caminho que me fizeram sentir em casa, segura, que cuidaram de mim quando precisei, que me deram apoio, força, carinho, até bronca quando precisei. E queria dizer que nesse Natal vou sentir muito por não poder estar aí com vocês no nosso ritual, mas que eu estou feliz porque eu vou ser a “estrangeira” na casa de uma outra família que como a nossa celebra o amor. Estou com o coração apertado, as lágrimas acabaram de me pegar de surpresa. Queria muito poder abraçar meus avós, minhas tias e tios, meus irmãos, primos, minha mãe; sentir de perto o cheiro de vocês. Usar roupa branca para abraça-los de igual para igual. Ganhar de novo uma camisola, uma caixa de bombom, um conjunto de calcinhas, ou aqueles presentes personalizados que sempre fazem sucesso. Cantar. Brincar. Falar besteira! Trouxe aquela camisa branca com os nossos nomes. Falta o de Maria Flor, mas vou guardá-la comigo para estar com vocês.
Bem... o choro já não me deixa pensar. Só queria agradecer a todos que me acolheram para que eu pudesse me sentir em casa, especialmente a Dan, Riccardo, Jaques, Viviana, Juliana, Anna Júlia, Clarinha, Bruno, Andreia, Sarah, Camila, Tiago, Paco, Peter, Raquel, Eleni, Eya, Anais, Bia e Regina. Obrigada!
À toda minha família e amigos que estão no Brasil, Feliz Natal e Feliz Ano Novo. Espero vê-los em breve. Continuem a celebrar o amor! Vocês fazem isso muito bem!

fábulas

Nem só de pó de pirlimpimpim se faz o mundo das fadas, mas também de muito veveno!!!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

É tão bom poder dizer "eu te amo" sem medo, que, quando a gente consegue, a vontade que dá é de não parar nunca mais...

Entre chegadas e partidas

Conheci uma pessoa que sorri com os olhos
Me apaixonei
E não podia ser diferente.
Só o tempo que foi irônico com a gente...

Vou sentir a sua falta,
Mas vou sentir muito mais a sua presença.
Sou grata por cada sorriso,
Seus olhos me encheram de luz!

domingo, 16 de dezembro de 2012

"Le monde est un moulin" (Traduction livre d'un ami belge ;)

Il est ecore tôt, amour 
Tu commences à peine à connaître la vie 
Et tu annonces déjà l'heure du départ
Sans même connaître la direction que tu prendras

Fais attention, chérie 
Même si je sais que tu es dècidée
De partout, ta vie se réduit lentement 
Bientôt tu ne seras plus ce que tu es 

Écoute-moi bien, amour 
Prends garde, le monde est un moulin 
Il écrasera tes rêves si mesquins 
Il réduira tes illusions en poussière 

Faites attention, chérie 
Chaque amor te donnera tant de cynisme 
Quand verras-tu que tu es au bord de l'abime 
De l'abîme que tu as creusé de tes pieds? 

(O mundo é um moinho, Cartola) 

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Saudade tropical

A madrugada vem me dizer
Que o amanhã chegará implacável.
É um não conseguir te amar como devo
Por te querer mais do que posso.
Desfilo nas curvas do dia,
Gasto as lembranças admirando a neve,
E quase sinto alguma alegria.
Toda a minha saudade infantil
Procura seu cheiro, seus olhos, seu abraço,
Mas todos estão no Brasil.

domingo, 9 de dezembro de 2012

As ilusões...

... movem,
Correm,
Passam.

Doem,
Moem,
Matam,

Embriagam,
Tiram,
Dão,

Alimentam,
Fortalecem,
Entristecem,

Tomam,
E(m) vão.

Hoje não é o meu dia

Hoje faria uma canção triste, em acordes menores, com rimas pobres:
Emoção, coração, saudade, amizade, amor, dor, alegria, nostalgia.
E isso me traduziria muito bem.
Uma melancolia rasa, clichê, sem grandes novidades.
Um ato heróico sem recompensa que por esperá-la deixa de ser heróico.
E eu seria o mundo, cansado e com pressa,
Girando sem saber o porquê.
Sem contemplar os pores-do-sol;
Sem compreender as estações;
Sem desvendar os mistérios do mar;
Sem apreciar a neblina noturna.
Só ouvindo os carros que vêm e vão,
Olhar as vitrines em promoção,
E as luzes que se acendem e apagam denunciando a esquizofrenia dos homens que descansam a noite para trabalhar de dia.

Disse convicto e sem rodeios

- Boba, menina, você é uma boba! Não ignore os tombos, não subestime as quedas. Acredita ser uma boa atriz, mas não passa de uma farsa. Uma farsa tão falsa que nem se imagina verdade. A quem pensa que convence com esse sorriso amarelo nessa boca cheia de dentes?
- Caminhei muito e estou cansada, é só isso.
- Mentira. Conheço teus medos, vigio teus sonhos. Caminharia muito mais, mas não pôde. Roubaram-lhe o desejo. Aprisionaram seus devaneios em caixas retangulares com letras impressas e você as repete todos os dias para reescrevê-las num futuro próximo repleto de melancolia.
Sua mania de asas te tira as energias. Querer sempre voar só podia resultar em chão. E você não consegue descansar porque não para de se enganar.
- Mas no meu lugar, o que você faria?
- Esse é o tipo de pergunta que só os bobos como você se atreveriam a responder. Hipervalorizando banalidades, sofrendo com o mundo, querendo mudá-lo. Não se esqueça que as engrenagens marcham juntas para girar uma máquina, e você é só uma peça que compõe uma engrenagem.
- Não pode ser possível, deve ter outro jeito.
- Além do mais é teimosa. Quanto infortúnio para uma criatura só. Escute o que digo, guarde o seu paraquedas e esteja pronta para usá-lo. Você sobe alto demais e tem asas frágeis. Olhe para as suas pernas, são fortes. Use-as. Pensa que te sustentarão, as nuvens? Avance depressa. Perdeu muito tempo com brincadeiras e rimas.
- Mas a poesia pedia...
- Mas, mas, mas... Para quê tanto mas? Não sei de onde você tira tanta coisa. Inventando histórias, criando mundos. Simplesmente ande e você verá como é bom valorizar as pedras.
- Só não queria deixar de voar.
- Nem sempre poderá ter tudo o que quer. A vida é um jogo de renúncias. Resigne-se, contenha-se, conforte-se. Não haverá luto sem morte.
- Você me dizia que um dia eu poderia ser tudo que eu queria. Foi errado eu acreditar?
- Não digo que foi um erro, mas você ainda não sabe se você quer o que você é, muito menos se você é o que você quer. E o tempo não gosta do que é feito sem ele.
- Não entendo, não concordo, não acredito.
- Boba, menina, você é uma boba. Mas não acho que seja ruim.

Não vale a pena (Maria Rita)


Ficou difícil
Tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar pra ver o invisível
E depois enxergar
Que é uma pena
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
De tão pequeno
Mas vai e vem e envenena
E me condena ao rancor
De repente, cai o nível
E eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal-amados
Dos amores mal-vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer
Que é uma pena
Mas você não vale a pena

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Des(se)encontro

Desse encontro eu tiro o "se"
Resta do desencontro. 
Mas o "se" fala do que não foi
E tendo em vista o que é,
Salvemos o encontro!
Esqueçamos o prefixo...

Parece que nos encontramos. Se eu vou sentir a sua falta? É tão óbvio quanto as lágrimas que derramei na noite de ontem. Chorei nos ombros de um amigo, pedi colo, tive medo do escuro. E foi culpa do medo... tanto medo eu tive que não disse tudo que quis. Vai ficar subentendido em cada abraço estendido, em cada carinho doado, em cada beijo guardado, em cada olhar que se desvia ao chão, abatido, prevendo o dia da sua partida e ansiando o dia do reencontro. Você me impede de falar disso... queria que pudesse me impedir de pensar nisso também. Economizaria meus dias, recoloriria meus dias.
Olhando a neve pela janela, pensei: a gente não faz sentido!
Pela primeira vez eu vi a neve, fazia muito frio... e mais uma vez senti o coração confuso, o peito vazio. É muito estranho, parece mentira. Mas é também muita paz isso tudo de você me traz. E cada carinho que você me faz, minhas angústias desfaz. Seu olhar doce, seu cheiro de ternura... quase um "blague" dos céus: te ter e não te ter; quase te conhecer e ter a sensação que se conhece a vida inteira; pensar em perder e querer ganhar todo dia.
É loucura falar em nostalgia. Não sei explicar, as palavras são fugidias. É querer discutir com o tempo por um tempo que ele não se deu. Foi de repente, foi pouco, mas foi suficiente. Sei que te amo e sei que é para sempre.
Um salve ao encontro!

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estaremos sob o mesmo céu

A grande questão que circunda a nossa existência é o porquê de existirmos. Hoje me aventuro a responder a essa pergunta consciente de toda audácia que trago comigo. Digo de avanço que decepcionarei os cartesianos e também os sonhadores. Esse texto não é escrito com a pretensão de ser útil, muito menos de ser inútil.
Degustei-o ao seu paladar.
Sem grandes suspenses: o sentido da vida é compreender os fenômenos sociais em escala micro. A partir daí "o que fazemos com tudo isso" fica a cargo da individualidade de cada um e da forma como ressignificamos a nossa "vivência" e, por que não, a nossa existência.
Muitos diriam que o sentido da vida é a busca da felicidade. Até Freud em seus estudos sobre o inconsciente nos fala da busca pelo prazer e a evitação do desprazer.
Vou mais além.
Também vou além do "aprender com os erros, com o sofrimento", e além das "coisas que talvez nunca entendamos". Acredito em todos esses prenúncios mas, há poucos dias, consegui organizar um mar de idéias que me afogavam dentro da minha própria cabeça.
Conheci um sírio, à primeira vista um homem comum, como todos os outros que, por sua vez, também são comuns até que conheçamos a sua história, sua percepção do mundo, seus sentimentos... (é importante destacar essa passagem). Nunca imaginei refletir a guerra na Síria através das olheiras de um homem.
Ele me falou de política, de família, de amor, de religião, de música, de profissão, de viagens, de ajuda ao próximo... era um turbilhão de pensamentos revestido de uma resignação calma, quase triste.
A vida que habitava aquele homem o sustentava sobre um corpo magro, angustiado pela guerra no Oriente Médio, talvez pelo temor, pela impotência, e julgo eu até por um agradecimento de ter tido uma alternativa de fuga quando muitos não a tiveram. Não falo somente da fuga física, mas a fuga mental. Em seu quarto vi livros de ciências, filosofia, artes, religião, uma fotografia do seu pai engomando uma calça clara, e ele me relatou um pouco das suas noites de insônia, das mortes dos seus próximos, da incerteza do amanhã, da beleza do hoje, do que já tinha feito na vida. Conversamos por horas, mas acho que ele ainda se pergunta o que a vida fez dele.
Esse homem e essa conversa me fizeram refletir por mais algumas horas, que por sua vez, me remeteram a corriqueiros dias em que eu assistia os jornais, discutia textos na universidade, ouvia conversas sobre esses  temas "delicados" da existência humana: guerras, ditaduras, fome, miséria, abandono, dependência química, câncer, suicídio, eutanásia, famílias desestruturadas, alcoolismo, violência doméstica, machismo, homofobia, loucura, intolerância religiosa, racismo, xenofobia...
Fui tomada por uma melancolia particular, quase existencial, ao me questionar sobre todos esses "problemas" cuja existência algum dia eu já tinha sido "informada", mas que aos poucos foi "vivenciando", aprendendo de perto um pouco mais sobre cada um deles.
Ao emprestar a pele para sentir cada um desses problemas, colocar-se no lugar do outro, praticar a escuta, sensibilizar-se, o noticiário sai das páginas e das telas e deixa de ser virtual para tornar-se real. Cortam, machucam, ferem, fazem sangrar.
Não é uma tarefa fácil trazer para si e imaginar-se no lugar no outro.
Por outro lado, quando o sujeito figura como núcleo ativo do conflito é mais simples compreendê-lo. Infelizmente, adotamos um modo de enxergar e solver conflitos que ainda coloca as normas e as instituições como o centro de tudo, quando na verdade não nos damos conta da perversão presente na inversão desses papéis. O sujeito cria as normas e as instituições e logo após é feito refém das mesmas, e na maioria das vezes não percebe que são alguns sujeitos que dominam as normas e as instituições e as utilizam para oprimir os demais. O excesso de poder e de força não é sábio e não é sabiamente utilizado, tampouco sensivelmente compreendido. O excesso de poder, por si só, já configura uma perversão, algo "extremamente" perigoso. Maquiavel e a teoria da divisão dos poderes explicaria essa questão melhor que eu, mas tentarei explanar sobre outro ângulo.
Atualmente, em nossa sociedade, para se "ter" poder sobre normas, instituições, e "pessoas" é preciso qualquer coisa como "recurso financeiro", "recurso político" e, por vezes, "recurso acadêmico" (o que, por sua vez, não são recursos suficientes para fazer dessas pessoas as mais aptas a "ter" o poder). O ideal seria que as pessoas não "tivessem" poder umas sobre as outras, e que a diferença de poder entre elas fosse tal que não as impedissem de transitar entre, opinar sobre, e até modificar algo relativo aos "espaços de não poder" e os "espaços de poder".
Considerando, contudo, que essa não é uma realidade próxima, suponho que as pessoas que detém o poder, deveriam primeiramente "compreender os fenômenos sociais". A compreensão desses fenômenos que aqui chamei de "sociais" (consciente, contudo, que ultrapassam a essa nomenclatura) vai além da capacidade estritamente racional de compreender um fenômeno, constitui-se uma compreensão sensível. Aí está a diferença entre ouvir e escutar. A compreensão da qual vos falo não é uma compreensão que prescinde de escuta, pelo contrário, é a compreensão na qual a escuta é imprescindível. A escuta "dialógica" que carece também de uma pulsão de vida, capaz de doar alternativas, força de vontade para querer contornar os "problemas", buscar novas possibilidades, e enxergar a beleza do "por vir", bem como do que se pode desfrutar do que foi feito. É aproveitar o que se pode fazer com o que já foi feito para desfrutar o se fará, sem contudo pensar com um utilitarista. É oferecer mais que um ouvido, mas também o ombro e uma palavra, quem sabe até uma dúvida. É dizer que se pode caminhar junto, ainda que os caminhos não sejam os mesmos.
É saber que estivemos, estamos e estaremos sob o mesmo céu! É compreender as relações temporais a partir do cuidado com o outro e consigo.
Não sei em qual parte das minhas associações livres essa frase tomará sentido, mas me resta a certeza de que caminharemos juntos, ainda que fisicamente distantes.
Por fim, após ter conhecido o homem do qual vos falei no início desse texto, restou-me algo de felicidade por ter conhecido mais uma pessoa brilhante nessa vida. Não entendo como ainda não fizemos desse mundo algo infinitamente melhor, pois, ao mesmo tempo, não me canso encontrar pela vida pessoas fantásticas, de enxergar nas pessoas esperança, solidariedade, sensibilidade, amor.
Eis então o sentido da vida, compreender o céu como um guardião de pessoas que se encontram pela vida. Um guardião de surpresas.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

In versos

Tome as rédeas,
Tome cuidado,
Tome seu tempo,
Tome café amargo
E valorize a doçura.

O lençol com listras laranjas.

Não pensei que fosse algum dia sentir uma alegria tão grande ao encontrar na gaveta um lençol com listras laranjas. Lembro da cena da minha mãe dobrando-o para colocá-lo na mala. O seu olhar vacilante fugindo do meu, simulando uma força que nem ela acreditava ter. Sinto o carinho em cada dobra de roupa que eu abro. Apesar de serem roupas antigas (e justamente por isso) é a primeira vez que as uso aqui em Bruxelas. Deixei o Brasil há quase três meses e ainda guardo algumas roupas sem usar só para conservar o cheiro do amaciante e o lugar das dobras.
Quando pequenos, eu e meu irmão tínhamos inúmeras pequenas alergias. Ficamos um bom tempo sem usar cobertores de lã; não podíamos beber leite de gado, chegamos a ter duas cabras no nosso quintal; viajávamos periodicamente para uma cidade maior e tomar vacinas; tinhamos também alergia a frio, a garganta sempre mais sensível acusava logo que algo não ia bem... as febres, os enjoos, a pele empolada, as internações, a minha "quase morte" quando caí de bicicleta embaixo de um caminhão. Lembranças que guardo com carinho só por lembrar o olhar doce da minha mãe a cuidar da gente. Como sou egoísta. Fico feliz ao lembrar das suas olheiras e das noites de sono que perdeu por nossa causa.
Lembro do dia em que meu irmão mentiu, viajou com a namorada e deixou um bilhete avisando que não iria dormir em casa, e só tarde da noite a minha mãe pôde lê-lo. Meu pai estava viajando, então minha mãe pegou um táxi e foi até Lençóis buscar meu irmão que voltou com ela no táxi. Não foi uma viagem curta. Em silêncio. Sem muita briga, sem gritaria, sem ressentimentos. Parecia ter passado em branco não fosse a resposta que ela deu ao meu irmão no natal quando ele pediu uma guitarra de presente: - "O dinheiro da guitarra eu gastei com o táxi quando fui te buscar em Lençóis no dia em que você viajou escondido. Isso não se faz." Sempre admirei esse jeito dela nos educar, o seu silêncio dizia mais que qualquer palavra e soava mais alto que qualquer grito.
Lembro do dia em que meu primo-irmão pegou o carro escondido para dar cavalo de pau e bateu o carro colocando-o entre um muro e uma árvore. Perda total, sem seguro, o carro foi direto para o lixão e vendido como sucata. A resposta: "ainda bem que ninguém se machucou, você não deveria ter pego o carro escondido". Ela tinha feito uma cirurgia de varizes e o médico pediu repouso, mas não tínhamos dinheiro para comprar outro carro tão cedo. Cada caminhada até em casa, ao supermercado, não poder viajar nas férias, não houve castigo mais doloroso. Entretanto seu olhar era sempre doce, ela sabia que isso já doía muito na gente, não precisava falar nada além, seria um castigo desnecessário e violento.
Sempre tive muito medo de machucá-la, apesar de ter inveja dos meus irmãos quando os via fazer essas "loucuras" que me instigavam muito.
Vir para a Europa talvez tenha sido a minha maior rebeldia. Vejo isso claramente nas letras do bilhete que encontrei na minha mala, vacilantes, custosas a serem escritas, riscadas com força, como as de um menino que aprende a escrever.
Não, mãe, não deixe morrer um pedaço do seu coração. Infelizmente você fez muitos a sua volta dependentes dele, e eles precisam de um coração inteiro.
Não sei em qual parte do caminho nos perdemos, onde passei a ver suas imperfeições. Você passou a gritar mais, e eu preferia seus tons graves, quase silenciosos. Eu amava mais seu outro silêncio, de compreensão. Talvez eu tenha desaprendido a interpretá-lo. Talvez eu tenha te admirado tanto e me resignado à ideia de não poder/querer ser igual a você, é muita renúncia para uma vida só e eu sou muito egoísta. Talvez eu não queria que um filho escreva algo como isso para mim um dia. E com certeza nunca conseguirei amar alguém como você nos amou. Talvez eu fale isso porque eu ainda não seja mãe. E talvez haja muitos "talvez" em minhas ideias. Mas isso não me incomoda porque sei que você me ama apesar de todas as minhas incertezas e imperfeições. Apesar de não ter encontrado um sabão para lavar as roupas que as deixe com o mesmo cheiro de quando você as lava, apesar de não conseguir dobrar as roupas tão perfeitamente como você as dobra. Apesar de te amar incondicionalmente e não saber como dizer. Apesar de me fazer dura quando você me pede para voltar e eu sorrio como se não houvesse saudade. São pesares tão falsos quanto o nosso silêncio. Os dias em branco, sem a sua voz e o seu cheiro para preenchê-los, seu olhar e até as suas inúmeras reclamações. Desista, eu nunca chegaria aos seus pés. Poderia escrever livros, o equivalente à capacidade da minha memória, e ainda assim não seria capaz de traduzir o que você significa em nossas vidas e o que você é capaz de fazer.
Mas, como você sempre me ensinou a tirar uma lição positiva de tudo, agora pelo menos agora eu entendo o que é um "chagrin": é ficar triste em ter que usar as roupas e vê-las perder o perfume e as dobras da antiga lavagem. Não é uma tristeza, nem chega a ser uma melancolia, é um pequenino pedaço dos dois acompanhado de uma resignação que se assemelha a uma saudade.

domingo, 11 de novembro de 2012

Achados e perdidos

Saio,
Se te encontro, 
Não sei se volto.
Pleno descontrole... 
É o que habita meus dias, 
Meus sonhos,
Minha pele.
Seu toque, 
Seu echarpe na cabeceira da minha cama não me deixam dormir. 
Sinto o seu cheiro a me penetrar madrugada a fora 
E, por fim, acordo cansada,
Inebriada de ti, 
Com vontade de repetir o seu nome no diminutivo, 
Várias vezes.
Cansar a língua enquanto os lábios descansam, 
Grandes, pequenos, 
São todos poucos os sorrisos que guardo para ti. 
E seu peito me acolhe tão bem, moreno. 
Me aconchego tão fácil que penso ser meu 
O homem que se faz menino. 
Suspiro sem querer,
Profundo. 
Todo o cuidado dado 
Quando estou do seu lado 
Me faz refletir:
Tão atrevida a vida. 
Perdi, menino, 
Perdi o controle sobre mim 
E temo que você o encontre.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O mundo fantástico da Ana.

Não consigo desacreditar no mundo conhecendo pessoas tão fantásticas.
Obrigada, pessoas fantásticas. Vocês me fazem acreditar que as pessoas não fantásticas são minoria, e que ainda tenho que conhecer muitas outras pessoas fantásticas.

sábado, 3 de novembro de 2012

Saudade sem fim

Deveria ser proibido
Tanta saudade num peito só.
Não tem coração que aguente,
Não tem pulmão que sustente,
Definitivamente,
Não cabe
No coração desse sujeito,
Batendo dentro do peito,
Essa saudade sem fim,
Essa saudade em mim.
Transborda os meus lados,
Revirando até o meu avesso.
É tanta falta
Que não sobra nada.
Corta feito navalha,
Invade feito ferrão,
Aperta que nem camisa de força
E depois me larga no precipício
O abismo sou eu,
No fundo da solidão de mim.
Me caio sem chão
E me resta a quase certeza:
Ela existe sem mim,
Êta saudade sem fim.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Medo de amar

Era medo
Mas era também amor
Eu só queria fazer um ninho
Para a gente ver a lua da copa da árvore
Que nem passarinho

Sentindo o sereno da noite nas penas
Se aconchegando para se esquentar
Esconder da neblina, cerrar os olhinhos
E abrir só um pouquinho para ver as estrelas a brilhar

Era amor
Mas também era medo
De acordar no outono, a noite ganindo,
Sozinho no ninho, sem copa, sem estrela,
Só o frio e o sereno
Te vendo chorando que nem um menino.

Estrelícia

Havia no céu uma estrela com nome de flor,
Parecia uma esmeralda,
Tinha cheiro de Camomila,
Brilhava tinindo como ferro que descansa na brasa quente, 
Como criança que acorda sorrindo e não conhece problema de gente.

Fazia uma confusão tão gostosa no céu que até Deus parava para olhar. 
Menina mimada, vivia pulando, não deixava nada no lugar.
Rodava que nem um peão de menino, mas era uma estrela.
Brilhando, rodando, correndo e sorrindo.

Tão linda, a dança.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A profecia da terra (Indigenocídio coletivo)

Era carnaval em Brumado, uma cidade no interior da Bahia, e a minha mãe tinha me fantasiado de "índio". Eu não sabia o que era direito, juro que não entendia, mas eu gostava.
Vocês se lembram de Cabral, do "descobrimento"..., da divisão de terras, dos navios negreiros, da escravidão indígena. Lembrou?
Rs... É... vai dizer que você nunca se vestiu de índio ou de português na escolinha? E que não foi engraçado e até divertido. Sei lá...
Pois é, né.
É impressionante como as escolas se preocupam em desenvolver o senso crítico desde cedo, a preservação da fauna, da flora, a valorização da cultura e do folclore. Mas eles esquecem de ensinar muitas coisas, que aquelas histórias eram muito mais reais do que a gente pensava, que os índios eram de verdade, e que também eram pessoas.
É muito romântico, não é? Mas eu demorei para perceber que atrás daquelas pinturas todas existia ALGUÉM.
As coisas vêem mudando. Como? Embranquecimento, catequização  guerras, escravidão, doenças, demarcação de terras, silenciamento, violência, opressão, limpeza étnica, folclorização, RESISTÊNCIA!

Vou contar uma história que vocês já conhecem, mas de uma forma “diferente”:
Fazia sol e abril anunciava o vigor do outono que se desenhava mais belo que a primavera européia, eu não estava lá, mas eu vi.
E nesse mesmo dia de abril “nomearam” a Ilha de Vera Cruz. De lá pra cá mudaram seu nome várias vezes até que decidiram chamá-la de Brasil, acho que agora é definitivo. E assim como nomearam a terra, nomearam as águas, as plantas, os animais, e tudo mais o que se pôde nomear. Dentre os animais nomearam alguns de “índios”. Estes se assemelhavam muito aos próprios portugueses, no entanto, vestiam-se “diferente”, ou melhor, pintavam-se “diferente”, falavam “diferente”, agiam “diferente”, afinal, não eram portugueses, logo, tinham seus próprios hábitos. Mas os portugueses acharam que essa diferença fazia desses animais seres inferiores, então decidiram escravizá-los para usufruir de seu trabalho e da sua riqueza. No entanto, esses animais reagiram e resistiram.
Apesar de toda aquela “diferença”, não estavam acostumados a trabalhar para outros animais nem a serem violentados de formas tão diversas sem saber o porquê. 
Com o tempo os portugueses e a sua "inteligência humana", ajudados por uma "revelação divina", consentiram que aqueles animais possuíssem alma, e viram que existia algo em comum entre eles e os “novos humanos”. Agora, ambos dotados de alma, precisavam interagir para que “os novos humanos do novo mundo” fossem salvos.
Iniciou-se um longo, doloroso e violento processo de civilização, afinal, os portugueses precisavam salvar aquelas almas trazidas de presente da Europa, e elas não poderiam permanecer em um patamar tão inferior, deram-lhes então, além da alma, é claro, uma nova religião, uma nova língua, uma nova fé e aos poucos foram “civilizando” esses seres (e porque não animalizando-os novamente,) ajudando-os a evoluir e a se purificar. 
E nesse processo de purificação eles iniciaram uma faxina, e limparam, limparam com suor, lágrima e sangue várias vidas, limparam as pinturas, limparam as crenças, limparam os dialetos.
E os índios continuaram a reagir, agora dotados de alma e a um passo da civilização e da alfabetização, começaram a aprender os nomes que os, agora "irmãos", portugueses davam às suas engenhocas, aos seus sentimentos, ou à falta deles, aos seus mortos, aos seus vivos, às suas escrituras, ao seu governo, à sua nação, às suas terras, e aos poucos foram preenchendo o grande vazio deixado pela “limpeza” promovida em prol da sua excelência pedagógica européia.
No entanto, alguma coisa deixava uma marca forte e escura: Visível. E essa marca era muito difícil de remover. Acredito que vinha da terra. E aquela terra também escura tinha algo mágico que até hoje não consegui desvendar. 
Hoje me dizem que aquelas terras são da União, que essas são de particulares, mas os índios pareciam não entender de quem era a terra, pois eles é que pertenciam à terra, e não o inverso; eles precisavam da terra para sobreviver, (precisavam da terra, precisam da terra), e não a terra que precisa ou precisava deles.
E precisavam, além das terras, entender o que estava acontecendo, não poderiam os deuses ser tão injustos? O que teriam feito para merecer tamanha desgraça?
Necessitavam agora de novas curas para novas doenças, de novos espaços para novas atividades, de novo vocabulário, de um novo deus que lhes substituíssem os seus deuses. Mas nada era mais necessário que a velha vontade de reagir. 
E reagiram. 
Em meio a tantas necessidades, necessitou-se aprender erroneamente o conceito de justiça, não essa justiça da qual falamos hoje, mas a justiça que dava nome às guerras justas. E então, seria melhor não ser justos. E não foram.
Já dotados de alma e palavras, os índios precisavam também de um ofício, e não faltou quem viesse ensinar; os portugueses se achavam bons professores, mas perceberam tarde demais que erraram no método. Diziam que os índios eram preguiçosos, indolentes, e até agressivos, mas eles só estavam praticando a lição de casa. Os jesuítas viriam corrigir a tarefa, mas como os índios não correspondiam à metodologia daquela escola. 
Resolveram então chamá-los de incapazes. E assim passaram a “protegê-los” e “ajudá-los” a se integrar na sociedade. Criaram leis, órgãos, delimitaram as terras, fizeram de tudo, mas que índios ingratos estes, hein? Não se agradaram. E reagiram.
Não iriam deixar roubar-lhes a identidade. Não eram portugueses, não queriam ser portugueses; não eram índios, não queriam ser índios; não tinham alma, não queriam ter alma; não eram civilizados e não queriam ser civilizados; mas também não eram folclore, não queriam ser folclore. Eram reais, queriam ser reais, e lutaram por essa realidade. Queriam cantar, lutar, manifestar-se através da sua língua, seus costumes, seus deuses. Queriam apenas ser o que eram antes dos intrusos chegarem. 
E regiram.
Hoje, depois de tanto tempo, tanta luta, me questiono se o mito do bom selvagem ruiu. E o do mau selvagem? Será que esses preconceitos vão ruir? Ou será que vão continuar nomeando outras formas de preconceito... 
Pergunto-me também se eu conseguiria resistir tanto, se seria capaz de reagir frente a tão diversas formas de violência. Ainda acho realmente que existe um mistério que não serei capaz de desmistificar, mas acredito que venha da terra, não essa terra que vocês marcam e dizem ser de alguém, mas na terra da qual brota a árvore de tronco forte e que dá o fruto que o alimenta, vem da terra que sustenta as águas e todos esses prédios grandes e pesados, da terra que fica embaixo da fogueira e que recebe a chuva que se precipita do céu, da terra que acolhe qualquer corpo que se estira cansado ao chão, da terra que é terra não porque a nomearam assim, mas porque a natureza a fez terra, da terra onde eu me ergo e grito e eu sei que a terra me escuta, da terra que é presença certa em todas as transformações que se dão com o tempo.
Tempo, tempo, tempo, tempo... Ciclo natural de construção e desconstrução do que é tangível ou imaterial. Sei que tocou as vozes dos que hora silenciados hoje se fazem ouvir. E sei que tocou também os ouvidos dos que não quiseram escutar e até mesmo dos que quiseram silenciar. Muita coisa mudou, mas muita coisa ainda precisa e vai mudar. Talvez eu não esteja lá, mas eu quero ver.
Reajam.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Disseram as más línguas

Segundo Matheus,
Baltazar não era rei coisíssima nenhuma.
Dizem as más línguas que ele morreu duas vezes.
Astrólogo curioso, viu no céu uma estrela
e quis saber do que se tratava.
Era um menino,
quis presenteá-lo
e foi tudo.
Cansou-se dos astros.
Formou-se em direito,
Tornou-se juiz,
Condenou à morte
E acabou na fogueira inquisitorial.
Antes tivesse sido jogador de futebol
e se especializado em fazer gols de cabeça.
Teve fama, mas morreu de fome.
Só não sei o doeu mais,
o fogo ou a indigência.
Simpatizo com tua beleza,
Mas não suporto a tua arrogância.
Gostava mais quando não te conhecia,
E do que eu acreditava poder encontrar em você.
As projeções eram maiores, mais animadas, mais coloridas
E você parecia um tesouro desses raros de encontrar.
Até eu te ver maltratar a flor
E aos olhos meus você perder a cor.
Não há textura, não há profundidade,
Não há sabor.
Uma foto editada,
A isso você me parece,
Artificial.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Nota sobre saudade

A saudade é breve...
... e dura mais que a maioria dos compassos.
Existem anjos que caminham pelas ruas sem asas. A esses chamamos de amigos.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Travessia

Tome a parte de si que te cabe e deseje mais
Rasgue as estradas em várias metades
Ande com os pés de um peregrino ateu.

Vá por amor ao caminho,
É de vida que se faz o sonho,
Sem medo da morte,

Siga à terceira margem,
Ignota, instável, incognoscível aos olhos nus
Anseie o grito das mandrágoras colhidas sob a lua cheia.

Atravesse o que de ti resta preso ao chão
Ícaro só caiu porque subestimou o sol
Seja mais prudente, mas sonhe

Sonhe como o menino que acredita nos sonhos
Escute os conselhos de quem te quer bem
Voe alto, voe sempre, voe sorrindo...

Ainda ontem chorava de saudade
Refleti sobre coisas que só sobrevêm nas estradas
Tanto penso que não sei se onde vou é longe

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Imperdível: curso de zero hora com zé ninguém!


Vestir um título é como vestir um túmulo: "embalsamável"!
Das coisas que tenho aprendido ultimamente, gostei de o verto "être" (em francês) representar ao mesmo tempo o "ser" e o "estar". Assim quando alguém me diz: "Je suis docteur", eu e a minha intelectualidade obsolescente (face aos inúmeros novos títulos colecionáveis pelos mesmos doutores), posso perfeitamente compreender que ele está doutor! Já tinha refletido isso antes ao estudar hermenêutica, mas não com conhecimento de causa. Caríssimos colegas, pelo amor de vocês mesmos, estejam humildes o bastante para não se enclausurarem em uma vaidade tão pequena diante da grandeza que vocês trazem em si. Quero ainda me orgulhar de um dia ter dividido uma mesa de bar com vocês. Libertem-se dos escafandros alheios, e, mais que isso, não internalizem os próprios!

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Nouvelles

O velho mundo precisa de um creme para rugas muito potente. Nada contra os idosos ou as marcas da idade, mas essa história de se gabar de uma maturidade e evolução por trás de uma maquiagem tão pesada não está dando certo.
Que os ideais da revolução francesa serviram aos burgueses, isso nem precisa ser dito. Mas sustentar uma bandeira de igualdade, liberdade e fraternidade sob as barbas de profetas caducos e anômalos, ah, isso é demais.
Imigrante não presta, negro é perigoso, mulher é burra. Palavras fortes demais para cidadãos tão politicamente corretos e "asseados".
Especulação imobiliária, preconceito, corrupção, segregação espacial. Só mudaram de endereço. Seria próprio do homem dividir tudo em no mínimo dois? O eu e o outro. O meu e o do outro...
Construções enormes! De fato, construções. De concreto, metal e madeira; de ideais, disciplinas e convenções.
Sobre as de concreto, metal e madeira: Cá eu me pergunto por que não vemos com tanta frequência surgirem essas grandes construções. Não é porque falta espaço nem tampouco porque o homem deixou de achá-las bonitas. De fato, são lindas, mas se tornaram caras! Agora eles precisam pagar a mão de obra e a matéria prima. Os trabalhadores tem (ou deveriam ter) direitos, recebem (ou deveriam receber) salários,  [me perdoem os chineses que vão entender melhor esse texto em português do que muitos latinos], a matéria prima já não é expropriada com tanta facilidade dos seus territórios originais [me perdoem também os habitantes de áreas que se tornaram zona de influência ou, descaradamente, ainda são zonas de exploração].
Na realidade eu poderia escrever esse texto inteiro pedindo desculpas.
Primeiramente, desculpas ao velho mundo, que em suas rugas traz sim algo de experiência que precisa ser valorizada, mas que ficou em segundo plano pela sua própria maquiagem e pelo meu demaquilante.
A lisura na face falseia as expressões, e, embora seja bonita, não é a textura mais gostosa da pele, muito menos a mais sadia. Aqui a pele precisa de mais hidratante. É "quase" tudo mais seco. A distância dos trópicos, o calcário na água, a maquiagem das coisas contribuem para essa sequidão, embora aqui chova muito.
"Deuxieme", desculpas aos meus leitores. Nunca fui tão pobre e ao mesmo tempo tão rica. Estou vivendo uma experiência nova e enriquecedora. Bruxelas é uma cidade que recebe gente de todo lugar do mundo. Acolhe alguns, outros nem tanto.
Durante os últimos quinze dias me vendi através do seguinte panfleto: " Bonjour, je m´apelle Ana Míria, je suis étudiante brésilienne et j´ai 23 ans, je viens tout just d´arriver em Belgique et je suis venue pour faire un master em criminologie. Je suis une personne calme, non fumeuse, n´avant pas d´animaux de compagnie. Si mon profil correspond à votre centre d´intérêt, je vous prie de me contacter. Mon e-mail est xxxxxx@yahoo.com.br et mes numéros de téléphone sont 04921824XX ou 04835992XX".
Foram os dias em que me senti mais próxima da prostituição. Um amigo me ajudou a escrever esse textinho, e, de fato, depois de pronto, percebi que precisaria mesmo de ajuda, não teria conseguido escrever algo assim. Foucalt e a "ordem do discurso" que me perdoem também, mas eu teria feito outro texto. Talvez eu não tivesse ainda conseguido um lugar para morar, mesmo pagando 450 euros! Mas acho que teria me sentido mais feliz durante esses dias de prostituição.
Queria acrescentar que estou feliz, mas que me sinto encurralada. Queria acrescentar no texto que sinto falta da minha família, dos meus amigos e do meu cachorro. Do sol e do calor da Bahia. Queria dizer que eu sou música e que vou tocar violão dentro de casa, mas que isso provavelmente não irá incomodar, pois toco dentro do quarto com a porta fechada, e geralmente as pessoas pedem que eu toque também na sala e em maior volume, convidando inclusive os amigos e comprando bebidas e aperitivos para confraternizar. Queria dizer que eu sou calma, mas também instável, que tem dias que eu choro, que tem dias que não quero falar com ninguém, que tem dias que tudo o que eu quero é um abraço. Queria dizer que gosto de paredes brancas e lençóis estampados. Que tenho uma rinite muito forte e que o cigarro me destrói e pedir que, por favor, não fume perto de mim. Queria dizer que tenho cólicas fortes e dores de cabeça insuportáveis de vez em quando e tudo que eu preciso é de silêncio e paz. Queria dizer que é possível que iremos nos indispor, mas que é provável que resolvamos tudo em uma conversa e que com o coração aberto poderia surgir uma bela amizade. Queria dizer que tenho família e amigos incríveis e que me sinto privilegiada em poder ter aprendido tanta coisa com eles. Queria dizer que vindo de um país em que o salário mínimo é (otimizando) de 600 reais e chegando em um lugar em que o salário mínimo é de 1200 euros, considerando que o euro vale em média (atualmente) R$ 2,50; 80 euros mensais fazem diferença sim... Queria dizer que há coisas que eu ainda não entendo, mas que sou muito curiosa.
Enfim, queria dizer. Mas, mais que dizer, queria saber que seria escutada. E queria escutar.
É difícil "vender-se", principalmente, com um panfleto no qual você fala algo de si que supostamente atrai um interlocutor que se interesse por você, mas ao mesmo tempo, aquilo não é o principal de si, não é o que você acha mais interessante em si mesmo, nem tampouco atrai o interlocutor mais interessante para você.
Ainda acho que poderia ter escrito esse texto, embora acredite que nem 10% (valor atribuído aleatoriamente para dar a ideia de pouco) das pessoas o leriam até o final. Sei, contudo que as pessoas que terminassem de lê-lo, me entenderiam melhor.
Enfim, aos que me pediram notícias! Aquele texto, ainda que banal, era objetivo e eficaz, como "deveria" ter sido, permitiu que eu encontrasse um lugar para morar :). Espero que o meu lado "calmo", "não fumante" e "sem animal de estimação" me acompanhe por mais um tempo e não entre em conflito com o que ficou omisso no texto! Pelo menos ser brasileira e com 23 anos isso ninguém me tira. As convenções tem mesmo algo de bom.
O velho mundo continua velho porque o novo sempre se refaz.
Saudade de tudo, saudade de todos, saudade de mim!


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Raízes

Era uma vez uma rosa que morava num jardim muito bonito.
Um belo dia a rosa se viu apaixonada pelo jasmim que morava do outro lado do jardim.
Eles ficavam ali se olhando entre os girassóis, driblando os talos e folhas, contorcendo-se por entre os espinhos e se amando, cada um do seu lado do jardim. O que são alguns metros para um amor tão puro? Relativiza-se a distância: o inalcançável era logo ali, ao alcance da visão. Desejar algo tão perto e ao mesmo tempo tão longe...
Isso de ter raízes nem sempre é bom!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Aos meus amigos

Adoro conhecer pessoas simultaneamente densas e leves. A sutilidade com a qual agenciam essas duas características é encantadora, e eu amo sutilidades.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Augusto veste tudo, menos farda!

Augusto chegou vestido com uma roupa nova,
Mas não é só nova, é diferente.
Nunca vi ninguém vestido assim.
Não é farrapo, não é alta costura,
Não sei se é bonito, nem sei se é de pano,
Se faz frio ou calor.
Augusto não chora,
Augusto não sorri,
Me vem com essa roupa estranha,
Com uma saliência no meio do peito
Que dá para ver o coração bater.
Bate forte, rápido, aflito, cheio de expectativas...
Os olhos de Augusto brilham,
Brilham de amor, brilham de dor,
Angústia e êxtase povoando a mesma retina.
Às vezes parece que Augusto vai explodir,
Noutras, que vai desfalecer
E eu olho Augusto, meu espelho no tempo,
E vejo tantas outras coisas
Que não consigo expressar.
Ai, Augusto, segura a minha mão!
Eu vou com você.

domingo, 22 de julho de 2012

Naturofagia


Enquanto o mar engole o chão
O sol incendeia o céu
Não era só um por-do-sol 
Era a natureza se devorando!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Calhas

Que maneira estranha de seduzir
Mandar embora
Sem deixar partir

Invadir sonhos
Causar arrepios
Demorar nos olhos
E depois, um vazio

Quer me fazer louca
E se dá por feliz
Mira a minha boca
E me beija o nariz

Seu lamento é meu pranto
E não temos razão
Nem eu com minha dor
Nem você com sua obsessão.

Outra saudade

O que são aqueles olhos a me inquirir? 
A saudade que imprimem em meu peito?
Eu não me lembrava direito,
Ou é saudade nova...
Conquistaram algo em mim!
É indo que se vai e nunca se chega...
O gerúndio pesa na mochila!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Tem alguém que me voe por essas estradas?
Ando tanto e não dá em nada.
Alguém que me caminhe por esses becos...
Que me encontre pelos butecos,
Que me acene com o sorriso,
Que me invente um paraíso.


terça-feira, 17 de julho de 2012


Dá-me a tua mão (Clarice Linspector) (Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)

"Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio
e nesse silêncio profundo se esconde
minha imensa vontade de gritar".

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Decepção é um prato que se come sem fome.

domingo, 15 de julho de 2012

Crônica do cotidiano I: A enxaqueca e o labor.

Se amanhã eu faltar ao trabalho porque morri ninguém vai reclamar, afinal, não há muito que dizer. Acredito que até terão colegas de trabalho no meu velório.
Se amanhã eu faltar ao trabalho porque estou internado no hospital ninguém vai reclamar. Talvez eu até receba algumas visitas.
Se amanhã eu faltar ao trabalho porque estou com enxaqueca talvez alguns reclamem dizendo que é corpo mole, outros até ligarão perguntando se estou melhor.
Mas se amanhã eu faltar ao trabalho porque optei por ir ao cinema, visitar um amigo, ler um livro, parar um pouco para fazer exercícios de respiração, cuidar da família, me reorganizar mentalmente para suportar a rotina do trabalho, serei um irresponsável, darei causa a comentários desagradáveis a meu respeito que talvez até desmereçam o trabalho que faço e que dizem que é bom.
Pois bem, se amanhã eu não for trabalhar pode ser que eu tenha morrido, e aí você escolhe se vai ou não no meu enterro. Se eu estiver no hospital e a sua preocupação for verdadeira sua visita será bem vinda. Se eu estiver em casa com enxaqueca guarde seus comentários perversos para o seu dia de enxaqueca, agradecerei as ligações dos que se preocuparam. Mas se eu não for por qualquer outro motivo que pareça pequeno aos seus olhos pense que a ausência pode ser uma boa justificativa para render melhor no outro dia.
Não é sempre que se pode morrer para não ir ao trabalho. Hospitais são caros. E as enxaquecas acabam tornando-se cada vez mais comuns porque são transformadas em desculpa ou porque os colegas de trabalho não se chamam para ir ao cinema.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Escolha uma porção de mim para amar
E não me importa que exista outra que você odeie
Contanto que a porção do amor seja sincera

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Eu só queria avaliar a textura!

Eu não queria te machucar,
Queria nunca ter te machucado.
Na verdade pensei que você não fosse se importar
Foi só um beijo, talvez dois, no máximo três...
Eu já tinha me declarado
E você disse que não queria nada sério.
Só beijei porque ele era bonitinho, engraçado,
E eu estava ali sem fazer nada.
Era uma noite quase comum.
Além do mais,
O sorriso dele era bonito, o cheiro era bom,
Quando ele me beijou eu nem tive tempo de dizer não,
Foi me beijando e eu achei a boca dele tão macia,
Fiquei mais analisando a textura do que viajando no beijo
J-U-R-O!
E não é desculpa esfarrapada.
Você faz coisa bem pior e nem liga!
Mas não quero comparar,
Não tem porquê essa briga. 
Se eu pudesse imaginar a sua reação eu não teria feito.
Não gosto disso,
Você dizendo que eu fico chata pedindo desculpa.
Vira o rosto.
E eu me pergunto:
Não foi você quem disse que não queria nada sério????
Eu sei que a gente não daria certo
Mas ciúme a essa altura do campeonato
Eu não consigo entender...
Até gostei do ciúme,
Só errei em ter dito que gostei.
Pelo menos você deixou eu recostar a cabeça em seu ombro
E me fez um carinho :)
Quando te perguntei se eu podia dizer que isso não ia mais acontecer,
Confesso que até agora eu não sei do que eu estava falando.
Seu perfume ficou em mim
Eu sei, é só amizade
Mas não parece verdade.
Vou dormir pensando em você.





sexta-feira, 1 de junho de 2012

VIVA

"Essa vida é minhaaaaaaaaaaa!!!"
Foi a vontade que tive hoje quando acordei,
Sair por aí gritando 
Que só tem eu para dar forma a ela:
Viva, estou viva!!!!!
Gritar até acabar a voz,
Secar a garganta,
Cansar as cordas.
Defenestrar morro do Cristo abaixo
Gritando sem sobriedade alguma
A vida é minha!!!!
E dela eu faço os sonhos
Teço os carinhos
Corro sem pernas
Viajo infinito.
Deixa eu alimentar meus bezerros
Já engordei muitos porcos alheios
E esse desejo que é só meu
Ninguém sacia
Porque essa vida daqui é minha
Só minha
E ninguém pode viver por mim.
Depois de um dia de morte
E um de ressurreição
Nada como acordar viva.
VIVA!!!!

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Materno

Água faz,
Onda leva,
Vento traz,
Mar revela,

Tempo crê,
Luz transvê
Olho relê
Conselho clichê

A criança corre,
A beata clama,
O idoso morre,
A mãe ama.

Auto-pêsames

Não sei quantas vidas nós temos,
Mas posso afirmar que se morre várias vezes
Antes do definitivo perecer aos olhos.

Ontem foi um desses dias 
Chorei até sentir cada músculo das costas
E perceber como era trabalhoso sustentá-los

Dormi no banco de uma Igreja
Próxima dos bares que costumo frequentar nos finais de semana,
Acordei com frio.

A cabeça ainda dói,
O estômago parece corroído,
Não tenho vontade de levantar.

Sem pêsames,
Sem vítimas,
Sem réus.

O dia da própria morte é sem cor
E tem um cheiro ruim.
Bem que poderia ser inodoro! Mas não é.

Dirigi por algum tempo sem saber para onde
O percurso era o destino
E segui até cansar...

Voltei
E não é seguro.
Ainda ontem eu morria.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Sangria dos dias pela janela
Veste os prédios de luz
Derrama gente nas ruas
Corrói o ferro das passarelas

Uns brincam nas praças
Bebem nos bares
Estudam para concurso
Vigiam as favelas

Outros clamam por chuva
Não dormem
Pensam nos filhos
Cuidam da imagem virtual

Desejam bens
Carecem de amores
Compram bicicletas
Mas não compreendem o valor do transporte público.
Ontem lembrei de nós
Repeti nosso ritual
Dois ovos cozidos
E um copo de achocolatado

Fechei os olhos
Deitei no sofá do lado direito da sala
Mas você não chegou
E não senti a sua perna em cima de mim

Ninguém me acordou para ir dormir na cama
Os dois copos ainda estão sujos do meu lado
Num ato falho sorrio: ontem ainda não era quarta-feira
Mas as lágrimas me lembram que você também não vai chegar hoje

Sinto sua falta
São quase oito anos de dor
Meu número predileto
E você não está aqui para que a gente possa celebrar isto

Ontem em vi um cachorrinho que me lembrou o nosso
Foi o gatilho que me fez querer você aqui
Quando você se foi precisamos mudar de casa
Não aguentamos aquelas paredes a nos inquirir

Precisamos também dar os cachorros
Fomos morar de aluguel em um apartamento
Sobrevieram sofrimentos mentais
E uns ainda perduram

Sem fogos de artifício
Sem portas batendo
Sem suspresas
Criamos regras implícitas

J. nós demos para uma família numa roça
Soube que ela apanhava
Tive vontade de ir buscá-la
Mas não existia nada em mim

B. está doente
Levamos ela para a casa da minha avó 
A qualquer dia espero a ligação
Dizendo que ela foi ficar com você

J. não podia ficar
O seu temperamento causou medo
De que ferisse os idosos os as crianças
Justo ela, uivando de saudade, chorando ao lamber nossos pés

M. A. caiu, quebrou a bacia
M. O. há algum tempo vem piorando
T. B. teve uma filha
H. encontrou um amor

T. R. luta contra o câncer
T. C. compra sapatos
T. E. estuda
M. M. parece enlouquecer a cada dia

Sua lucidez a atropela
E chego a sentir pena
Vínculos foram rompidos
Estamos num momento turbulento

Sobrevieram muitas ondas
Foram muitas ressacas
Muitas tempestades
2036 pores-do-sol

Mudamos para uma casa grande
Temos de novo dois cachorros
Continuo não sabendo de J.
B. continuou com minha avó, sabe como ela é

A casa é grande
Está sempre cheia
E parece vazia
Vai sempre estar faltando você

Eu já não moro lá
Mudei de cidade, formei no curso que você queria
Tenho muitas dores de cabeça
E na maior parte do tempo sou feliz.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Trazer e tragar

Você eu trago aos poucos
Em baforadas lentas e longas
As lembranças, a cafeína,
O chocolate, a aspirina.

Troquei os lençóis
E pretendo abrir mão dos anéis
Há algo diferente em nós,
Mas somos leais apesar de infiéis.

sábado, 12 de maio de 2012

Desencarnar o teu cheiro em mim
Esfregar


Lavar
Não sair


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Inócuo

Inofensivo,
incolor,
inodoro,
insípido,
indescritivelmente passivo.
Não dá para se apaixonar por alguém assim...
Só a despedida não foi
indolor.
Até a despedida mais curta corta.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Like a joke!

Assim é o amor, sabiamente irmão da astúcia e vítima da essencialidade. Constrói um sistema de defesas que se revolta contra ele. E explode em auto-imolação. (Drummond)

Linha do tempo

O futuro é mais meu presente que meu passado
O presente é mais meu passado que meu futuro
O passado é mais meu presente que meu futuro...

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Ai, que saudade de mim.
Por favor, volte(o) logo!
O que mais me dói nem é a solidão,
É não saber onde estou...

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Soledad - Jorge Drexler

"Soledad,
Aqui están mis credenciales,
Vengo llamando a tu puerta
Desde hace un tiempo,
Creo que pasaremos juntos temporales,
Propongo que tú y yo nos vayamos conociendo.
Aquí estoy,
Te traigo mis cicatrices,
Palabras sobre papel pentagramado,
No te fijes mucho en lo que dicen,
Me encontrarás
En cada cosa que he callado".
Ya pasó,
Ya he dejado que se empañe
La ilusión de que vivir es indoloro.
Que raro que seas tú
Quien me acompañe, soledad,
A mi que nunca supe bien
Cómo estar solo.

sábado, 14 de abril de 2012

que fazer
com essa vontade de você?

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Senhor, dai-me um coração novo,
Esse meu, antigo, anda cheio de vícios,
É difícil contê-lo,
Não sei mais educá-lo,
E, fora a desobediência,
Está começando a me convencer...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Para que pensar neles para falar de mim?
Se é assim, nós somos eu e eles nunca existiram?
Projeção do "eu" no "eles" para negar o outro em mim?
Não devo, não posso, não vão me engolir...
Rumino a semente da alteridade
E rezo para que não demore a chover.

Os olhos meus


Gosto de ter nos olhos a altivez e a melancolia,
E gosto de não saber o que isso significa.
É o mistério que me desnuda.
O vento é um amigo
O tempo, conselheiro
Prefiro as noites e durmo de dia,
E só então lembro que não podia.
Queimo incensos de lavanda
Toco canções em tons menores
As olheiras me vêm fazer companhia
E temperam a insônia que a madrugada anuncia.
Lembrando dos sonhos mais bem guardados...
A Ana tem ambições tão bobas
Que chega ser difícil concretizá-las

Seus planos de suor e éter
Exalam um tempo auspicioso

Vive a defenestrar consternações
Enxugando prantos,

Conjuga verbos no futuro
Trabalhando-os desde presente do indicativo

Longe da perfeição
Evita arrependimentos

A imperfeição fica para o pretérito
Subjuntivo império do se

Prefere as trevas ao desencanto,
Metonímias para certeza e fé.

Mensageira de uma esperança quase religiosa
De um espanto quase infantil.

Ventre de Ísis,
Calcanhar de Aquiles.

Ambicionar o melhor

Sonhar um amanhã nostálgico
De tanto bem viver o hoje
Não chega a ser um desejo
Arvoro a querer
Um amanhã mais sonhável...

terça-feira, 10 de abril de 2012

As noites nuas não vêm em vão,
Despem-se e vestem-se,
Vêm e vão...

domingo, 8 de abril de 2012

Chaplin...

"Tua caminhada ainda não terminou....
A realidade te acolhe
dizendo que pela frente
o horizonte da vida necessita
de tuas palavras
e do teu silêncio.

Se amanhã sentires saudades,
lembra-te da fantasia e
sonha com tua próxima vitória.
Vitória que todas as armas do mundo
jamais conseguirão obter,
porque é uma vitória que surge da paz
e não do ressentimento.

É certo que irás encontrar situações
tempestuosas novamente,
mas haverá de ver sempre
o lado bom da chuva que cai
e não a faceta do raio que destrói.

Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo,
lutar por quem te rejeita
é quase chegar a perfeição.
A juventude precisa de sonhos
e se nutrir de lembranças,
assim como o leito dos rios
precisa da água que rola
e o coração necessita de afeto.

Não faças do amanhã
o sinônimo de nunca,
nem o ontem te seja o mesmo
que nunca mais.
Teus passos ficaram.
Olhes para trás...
mas vá em frente
pois há muitos que precisam
que chegues para poderem seguir-te."

Texto: Charles Chaplin

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sim, não, irrelevante

Me dê uma gaveta cheia de sonhos
E eu deixo você abrir um botão do meu vestido.
Se eu pudesse matar sem ninguém saber
Seria um assassino em série.
Gosto mais da goiabada que do queijo
Por isso coloco sempre um pouco mais de goiabada.
Vou pagar minhas promessas
Pelos olhos e pelas letras.
Quando misturados nas gavetas certas
Os botões de sonhos brotam rápido, florescem fortes.
Mesmo nas lápides das pessoas mais cruéis,
nos tempos de seca.
A goiabada parecia sangue quando a vi naquelas muletas,
Só não tinha cheiro de goiaba
E ninguém choraria daquele jeito por culinária alguma.

Definição do meu último peguete

Você é aquele pedaço de chocolate que eu guardei na geladeira para mais tarde, mas quando fui pegar já tinham comido...

Periculosidade

Resisti à queda.
Nunca pensei que você fosse capaz daquele empurrão.
O parapeito da janela era alto
E os carros lá embaixo estavam furiosos.

Desde então as freadas me assustam,
Ouço ruídos,
Vejo vultos,
Sinto cheiros.

O analista quer que eu saia aos poucos,
Mas o seu perfume está me perseguindo
E eu não vou me perdoar se eu te perder outra vez.
Os caminhos parecem tortuosos.

Era perigoso,
mas eu persisti
Percorri a pé,
entre galhos e pedras...

Com toda a perícia,
Com toda a malícia,
Resisti às feridas,
Driblei as feras.

Superei a fome,
Tive medo,
Senti frio,
Mas não me arrependo.

Vou seguindo seu cheiro,
E te coloco aos meus pés,
Nem que seja só pelo prazer da rima,
Por ter contado com a sorte.

Ressentimentos

Era só para desconfundir...
não queria explicação,
tampouco lição de moral,
bastava a ética.

Não gosto de gente ressentida
resmungando pelo caminho.
É melhor que fique em casa
assistindo a sua novela
e sujando a sua louça.

Lave sua roupa também por lá,
dedique um tempo ao amaciante,
deixa um cheirinho bom
e o dia fica também mais tranquilo.
É só uma questão de tato.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Saudade de quem já se foi

A saudade é um grão plantado na gente
Que quando contente
Floresce sem ver
E quando há tristeza
A gente sente a plantinha morrer

Doendo no peito 
Tremendo de frio
Chorando, chorando
Lutando, vivendo
Com a dor do vazio

Vai-te embora tristeza
Deixe só a saudade
Vou regar minha plantinha
Adubar com alegria
Cuidar dela no inverno.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Cântaro (presente de um amigo parisiense).

De volta roubastes o vinho
Para verter todo sobre ti
Vaso cântaro de Afrodite
Por teus anelos que tento 
Te segurar
Querendo reter-te sempre mais
E mais, que te busco
E ao encontro, ao acaso
Suave
Bebo-te inteira
Porque a minha é a sede
Mais limpa
Para um vinho tão rubro
Para um pecado tão cedo
Para um milagre que não chega.

segunda-feira, 26 de março de 2012

A manha é ser

Clareou
Lá fora parece igual
Mas é bem diferente
Amanheceu singular
Manhoso e ganindo
Tempo de esperança
Contudo e portanto
Bom dia

domingo, 25 de março de 2012

Amadurecer

Amadurecer exige paciência, erros e vontade de acertar.
Exige respeito com o outro e consigo.
Exige calma e exige também alegria.
Exige silêncio.
É fruta que rumina a si mesma para não apodrecer no pé.

A velocidade das formas

O piloto não reage
O carro não move
O vento não soa
O motor não canta
Autorizada a largada
Ele não vai competir
Não esboça reação
O capacete guarda um mundo
Olhos abertos
Não fixam ponto algum 
Miram o nada
Não faz nem desfaz
Parece que ataca
Enquanto se recolhe
Sem se mexer
Não ouve a sirene, o rádio da equipe
Os carros se aproximam
E uma volta atrás
Acelera sem vontade
Encosta no box
Sai do carro
Caminha lentamente
Retira o capacete
Abraça a esposa que aguarda aflita
Chora como um menino
Já não é um piloto
É mais um que não entende o enredo,
Mas amanhã estará a procurar emprego.

Ação

Entre você e eu
Um mundo caduco de tantos "pois é"
Na cena editada
Sem final
Sem roteiro
Pedimos um corte
E o diretor não atende
Perdidos dos nomes
Encaixados no show
Coadjuvantes na própria história
De um futuro doído e assentado
Em que a vida acontece
Passa depressa
Nos lembra da morte
Da falta de sorte
E a gente mente
Desteme a partida
De quem ainda
Se procura na vida

A insensatez do gesso

O amor quebrou a perna
Passa os dias mancando
E não pode entrar no mar
Clama correr e nem anda direito
O amor está desesperado
De perna para o ar
Assiste ao por do sol calado
Pois não pode entrar no mar

sexta-feira, 23 de março de 2012

Verdade (Carlos Drummond de Andrade)

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

terça-feira, 20 de março de 2012

A corda

Eu queria acordar e não conseguia.
Já era dia.
Lembrei-me do porteiro que me perguntou se eu estava feliz.
Como nunca pensei em perguntar isso a ele antes?
Evanilson, trocou meu chuveiro quando precisei...
Adorava as guloseimas que a minha avó mandava do interior.

Apertava os olhos para pegar impulso,
Mas, na hora de abri-los, ficavam lá
Cerrados.
Ouvia o barulho dos carros,
O dia passando lá fora.
A vida gritava me querendo ter
E eu não acordava.

Era um picadeiro bonito
Com cores quentes.
Eu me equilibrava na corda bamba
Com uma vasilha de cocadas na mão
Do outro lado estava Evanilson,
Perguntando se eu era feliz.

terça-feira, 13 de março de 2012

Do que importa

Fugir é bom quando ficar é prisão,
Ficar é bom quando fugir é covardia.
Mas é preciso ter força
E um bocado de coragem
Para sair sem rumo,
Construindo as próprias estradas.
Levar na corcunda os sonhos ainda não maduros
Sem deixar que o peso da vontade pese sobre as nossas cabeças
E desabe os nossos corpos.
E é preciso ter armas
Para enfrentar os moinhos,
É preciso ter fé
Para crer nas promessas,
É preciso esperança
Para avançar com o outono.
Os traços mais finos na fotografia
Foram também as lembranças mais secas.
Os olhos cerrados curtindo o carinho,
Os poros gritando de medo da solidão.
Vê-se: a criança corre e é feliz.
E é isso o que importa.

Nova poética (Manuel Bandeira)

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito,
Saí um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada,
e na primeira esquina passa um caminhão,
salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
É a vida

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas,
as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Apocalíptico

Tiraram um homem para besta, mas de besta ele só tinha a blasfêmia que jorrou de outras bocas contra sua cabeça.
Escorregou pela sua cabeça.
O poder a ele atribuído não trazia resquícios felinos, tampouco feridas ou dor.
Trazia, entretanto, uma chaga incurável, da perda daqueles que um dia amou.
Talvez o mundo nunca o perceba.
Talvez o mundo nunca se dê conta dos seus anos de vida, e estes fiquem restritos ao seu igualmente restrito círculo de trabalhadores contra os quais ninguém poderá trabalhar fora do método laboral tradicional condicionado à magnitude do cotidiano.
Contaram-nos estórias de homens que entortaram espadas com fé e paciência, que fizeram ouvir nos céus seus gritos.
Contaram-nos também estórias de homens que transfiguraram-se em outros, em animais, em folhas.
E disputaram até a morte um poder sobrenatural.
Condenaram seres, coisas, conceitos, definições, projeções.
Nem os números ou as cores escaparam.
Condenaram a condenação, a salvação, e agora querem condenar a luta.
Uma disputa de poder inofensiva,
Pronta para acabar com a humanidade.

Humildade ou conveniência.

Quando o calo aperta, a gente calça o sapato velho para não ficar de pé no chão.

Homônimos

"De resto, cada João Brandão, dentro da mesmice da espécie, é diferente do outro, e até de si mesmo". (Carlos Drummond de Andrade).

terça-feira, 6 de março de 2012

Os cães que ladram pela madrugada são mais solidários na vida e mais solitários na morte.

06/03/12

Cuidado com a insônia
Que ela te pega
E te apresenta à madrugada...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Impotência jurídica

Calo-me como quem não tem nada a dizer,  mas na verdade estou sufocando do tanto que me engasga por não saber como vomitar toda essa angústia.
Hoje procurou-me um homem vulnerável, usuário de saúde mental, perdera os pais adotivos e por ironia do destino fora morar com o pai biológico vinte e oito anos depois de desconhecê-lo.
Acusado de crimes pela própria madrasta, ele reclamava de agressões, ofensas, racismo, mas no fundo ele queria reclamar da solidão.
Já tinha morado na rua, usado drogas, sido usado, ofendido, humilhado. Daqueles que não entram nem para as estatísticas... que a justiça ignora, que os homens não vêem, que a cidade não sente.
Tive pena do homem e vergonha de mim. Não poderia ajudá-lo e não sabia como dizer isto a ele.
Se o pai dele fosse preso por racismo, provavelmente a madrasta o expulsaria da casa onde está morando de favor.
Se pedisse para regularizar a distribuição de água no cortiço, todos ficariam sem água... (eram adeptos de gatos, daqueles que não miam). Ele reclamava que sofria retaliações até na hora de fazer as suas necessidades básicas, pois, fechavam o distribuidor sempre que ele ia usar o banheiro coletivo.
Situação jurídica completamente irregular, ou quase inexistente, considerando a mínima do direito de que o que não está nos autos não está no mundo. Assustam-me aqueles que ainda acreditam que as coisas podem funcionar assim. O mundo é pequeno, mas nem tanto.
"Esse não é um caso de advogados, nem de juizes", quis dizer para ele. "É um caso de psicológos, assistentes sociais, sociedade civil organizada, políticos, poetas... é muito mais do que essas questões que estamos discutindo". Calei-me.
O nome sujo na praça não é o maior gerador do descrédito proveniente da desautorização pela doença mental. Silenciaram um homem que se comunica tão bem. Articulado, inteligente e invisível.
Sonegado pela condição da loucura, da pobreza, da negritude, da solidão.
É um homem de bem.
Imagino como seria se tivesse carinho, apoio, estrutura mínima para caminhar... iria longe.
Mas por enquanto irá à audiência de amanhã.
Sugiro uma tentativa de conciliação entre o mundo real e o mundo jurídico.