segunda-feira, 31 de maio de 2010

Crônica casual com humor poético.


- Sou uma fênix. (Disse-me com a convicção de quem procura um anel que leva no próprio dedo).
- Não pela semelhança das penas ou do bico (Continuou sorrindo e ainda se explicou pela gracinha). É que alguns me chamam de galinha, mas o que preferem mesmo é me chamar de piranha, piri, abreviação de piriguete, e os mais despachados arriscam um: vadia! (Arregalei os olhos quase sem querer e achei interessante o início da explanação que se seguiu...)
- O fato é que todos sabem que sou uma mocinha de família, ou melhor, uma mulher respeitosa, respeitável. E isso é sério, não tem nada a ver com os meus peitos, os seios. (Foi inevitável olhar para os ditos cujos, normais, ou melhor, sem esse “quê” diferenciador introduzido no discurso).
- Eles também são lindos (insistiu nos seios). É o que me dizem. Apesar de só um homem tê-los visto. E ele me elogiou bastante (se acha, pensei).
- Ia dizer que isso não fez muita diferença, mas fez (Pelo menos ela tem consciência de que não é normal uma mulher sair por aí elogiando os próprios seios). É sempre bom para uma mulher ouvir elogios do homem que ama, principalmente quando ela acredita ser amada também (entendi, não precisava falar mais nada).
- E é por isso que sou uma fênix. (Já sabia onde ia chegar, mas voltou a falar do fenótipo das aves). Repito, não pela semelhança dos bicos e das penas, já falei que sou uma mocinha de família (para não dizer que não acredito prefiro “explicitar” que eu ainda não entendi essa parte completamente).
(Voltando à comparação com a fênix, prosseguiu...) Descobri que aquele homem não me amava como eu acreditava. E sofri muito, ainda sofro: quem disse que sofrer é amar duas vezes? Não é...
[Seguiu desesperada tentando justificar a sua (dês)semelhança com a ave. Traída pela crença a bendita ainda segue com fé.
Acreditando no amor, limpando a remela dos olhos e o pus das feridas.
Trastejando velhos acordes no instrumento que ainda revela esperanças.
Escutando palavras daqueles que ainda dizem amá-la. E amam (acredita).
Mirando a fênix, a exercitar o idealismo platônico, e acreditando que pode ser como ela:
Renascer das cinzas.]
- E quem poderá me dizer que não sou uma fênix?
- Amanhã acordarei disposta e dividindo o mesmo céu com vocês.
- A aurora anuncia a “nova vida de cada dia”: renasci!
- Bom vôo a todos nós.

(Ana Míria Carinhanha)

sábado, 15 de maio de 2010

O mundo às caras.


E eu que pensei que viver era dar a cara para o mundo
Dar a cara para o mundo afagar, dar a cara para o mundo bater.
E eu passava no mundo
Deixando o mundo viver em mim.
O mundo girava, o mundo mudava, o mundo seguia
E eu ficava
Sabia tudo sobre o mundo, e o mundo nada sobre mim
Até que eu percebi que o mundo tinha muito mais a me ensinar do que eu a ele
E o mundo se deu à cara
E a cara afagava, e a cara batia

E o mundo passava
E eu vivi no mundo
Girando, mudando, seguindo... (o mundo e eu).
Nem eu nem o mundo ficamos
E ele continua me ensinar muito mais do que eu a ele.

(Ana Míria Carinhanha)

domingo, 9 de maio de 2010

Anamorfoses (Sobre Embaixadores, Hans Holblen)


Fragmentários de outros tempos noutros cantos,
Desiludidos em campanhas de utopias;
Comerciários de outras vidas, nenhum santo,
No submundo da representação.

Futilidades “pompeadas” bem no centro
Cientistas cantadores de ilusões
Embaixadores, cores de uma nova era
Desfigurados pela transfiguração.

A importância que se dá já não se espera
Está na cara e teimamos em não ver
Dentre as riquezas, melodias, teoremas
Pobres coitados destinados a morrer

O objeto olha de volta pra você
Observando o que se passa no sujeito
Que é forçado a mudar de posição
Oh! Desertores da história do prazer

(Ana Míria Carinhanha)

domingo, 2 de maio de 2010

Tábua da incompreensão.

Canto um conto e você canta um cordel.
Esperando o sol baixar,
Ao seu lado um abajur de pedras
Queimando o verde das folhas, gastando o vermelho do céu.

Sinto o vento e ali na próxima curva vejo:
Um fulano vende o céu. De vermelho agora, eu.
- Negócio jurídico impossível: Objeto não passível de apropriação
- Ato jurídico imperfeito: Sujeito relativamente incapaz

E se fosse eu a tentar vendê-lo? Não...
Para vendê-lo é preciso de um pouco mais de “lobby”
Um pouco mais de “todinho” na criação
Tivemos muita farinha e rapadura: Métodos inapropriados para a produção científica e realização de alguns negócios jurídicos.
É preciso partir de pressupostos institucionalizados,
Ou sua pesquisa não terá eficácia, pelo menos não nessa prateleira.


Verdades irrefutáveis na tábua da compreensão
Serei eu o sujeito incapaz ou o incompreendido?
Tanto pirão na mesa (e a farinha já acabou faz tempo).
E a negrada lá na dispensa ainda lava as mãos feridas pelo ralador.


Cantando contos de cordéis, vendo a lua subir, sem tanto verde pela janela, só o vento seco passeando no céu vermelho como as chamas em cozimento da garapa, endurecendo em rapadura, conhecimento que não se encontra em livros... Na prateleira incertezas: vejo negócios realizados facilmente, sem perfeição ou respeito aos pressupostos. Sem farinha, sem verde, sem chama. E deliciam-se com o pirão... Vai provar desse gosto?

(Ana Míria Carinhanha)