quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Das loucuras

As loucuras que às vezes me visitam,
Conversam comigo, choram, gritam,
Depois vão embora e me deixam só.
Não sem traumas, mas também sem cobranças,
Liberdade que gosto de ter.

É por isso que deixo que venham,
Porque elas vão e voltam,
Sem que eu as convide,
Sem que se despeçam,
Sem que me limitem,
Sem que me subesmitem.

Uma delas é cega e a outra é surda,
Irmãs que andam juntas não só por complementaridade,
Se amam,
Mas também brigam
Muito

É bonito quando elas se preocupam comigo,
Se estou triste e choro
Uma delas me põe lápis e papel na mão e pede que eu escreva,
Ou me traz os estojos de tinta e as telas.
É surda essa minha loucura

A outra se irrita, não pode ver, não pode ler...
É mais agitada...
Pede que eu toque, que eu cante, que eu dance com ela,
Então ela me toma pelas mãos e me embala,
Já viramos muitas noites juntas.

Ah, como eu amo as minhas loucuras,
Cada uma em suas limitações,
Me dão tato,
Me constroem chão.





Comptine d'un autre été

Por muitas vezes já vivi essa sensação de estar presa em uma música,
Mas essa me acompanha de maneira singular:
Comptine d'un autre été de Yann Tiersen, é lá que me encontro há mais de um ano.

Já conhecia a canção antes de me aprisionar e não sei exatamente o que mudou desde que me descobri ali
Não sei a causa, se por vontade ou distração, mas gosto de ter esse refúgio onde minha alma se abandona,
A queda é livre, constante e infinita,

Sentir o vento me faz compreender as dimensões do meu corpo
Tocar seus ares com a ponta dos dedos enquanto caio...
... brincar de revirar... rajadas no rosto, golfadas na nuca...

Pausas despretenciosas, mortais,
Fusas, semi-fusas, colcheias, fermatas,
A itensidade percussiva nas teclas,
a alternância de graves e  agudos...

Emudeço,
Preciso parar, fechar os olhos,
Respirar...
Ar... é tudo ar em volta de mim

A predominância de agudos se impõe,
O chão está próximo,
A aceleração rompe a constância
Todos os hertz a me aletar do tombo

Mas os graves vêm em minha defesa,
Lançam teias sob o meu corpo que se quebram enquanto caio
E me amortecem, me acolhem, me abraçam,
Por um instante flutuo e a queda se anuncia pouso

A mão esquerda prepara o final do mergulho,
A direita aponta o caminho,
A respiração se reorganiza,
Inter-calada.

O eu que pulsa

Trago o tempo com ervas finas,
De dentro da boca saem tufões,
Redemoinhos longos de fumaça em dispersão

Assopro
[fuhhhhh...]

Respiro
Lenta

Olhos fechados, sentidos apurados,
O coração que pulsa,
Os músculos do meu rosto,
Meu suor,
O som da minha respiração,
Os fragmentos que me compõem.

Os músculos do meu suor,
O som do meu rosto,
Os fragmentos do meu coração,
O eu que pulsa.

Sinto-me transitória ao compreender-me viva
E o inverso também me identifica

Eis-me parte transmutada em todo,
onda na rebentação.


En passant

Às vezes a gente perde o prazo, 
às vezes a gente perde a cabeça. 
às vezes a gente não sabe perder. 
às vezes a gente não sabe...

Não sabe o que fazer com o não saber. 

Nesses momentos de insapiência é bom descobrir mestres, 
é bom descobrir amigos, 
é bom descobrir-se, 
é bom descobrir o que fazer com o não saber.

Saber que o não saber pode não ser tão ruim assim. 
E (não) saber é poder

Poder
[Olhar as dúvidas para além da insegurança, 
Motivações, consequências, caminhos... 
Querer o máximo da travessia
Amar as dúvidas, resolver as dúvidas, criar as dúvidas, ignorar as dúvidas, duvidar das dúvidas. 

Ainda que não se saiba o onde,
É importante amar a ida, 
E ir leve, ir intenso, ir inteiro, 
Um ir em eterno devir de infância, 
De sonho, de descoberta, de revolução 

Encontrar um menino-homem-escoreito-viajante-desviante alegra os caminhos, 
Agita os caminhos, 
Enche os caminhos de força e coragem, 
Multiplica os escoteiros,
Transforma a "promenade"

Eis o passeio que dura cinquenta anos trópicos, solares, 
E é só o início, e se sabe sê-lo, pois se faz ser 
Feliz trajetória, feliz caminhada, feliz passeio,
Feliz, paz, ei-lo: "passant" que fica sem estagnar, 

Água de rio que se renova a cada chuva, 
Emaranhado nos meandros das curvas,
Nas vindas e idas,
Viva (,) a vida!