quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Aos invisíveis

Experimente ficar um dia sem ver pessoas, a princípio achará estranho, quem sabe até bom. Parar um pouco, respirar, encontrar-se consigo...
No outro dia, quando sair de casa, você vai ficar muito mais feliz quando encontrar pessoas.

Experimente então ficar vários dias sem ver pessoas. Passe no mercado e compre um pouco de tudo do que precisaria caso estivesse só num naufrágio. Água, comida, produtos de limpeza e higiene pessoal, um livro, etc...

No primeiro dia aquela sensação boa de conhecimento próprio o acompanhará, no segundo a dúvida, no terceiro pode ser que você já esteja se sentindo só: começa a querer desistir, mas persiste. No quarto você não aguenta mais seu quarto, sua sala, seu banheiro. Já colocou a casa em ordem, tem "tudo" o que precisa, mas falta alguma coisa. Recorre ao computador tentando fraudar o combinado, mas não adianta. O telefone só piora a situação...

Sexto dia. Parece que já se passou um ano, sente-se até mais magro, com aspecto de doente, mais branco. O sol janela a fora parece zombar de você, mas não zomba. Você entendeu errado, ele está te convidando para sair às ruas. Mas você não pode, na rua tem pessoas.

Lá pelo décimo oitavo dia é impossível conter os eus dentro de você. Está cansado, triste, deprimido, sem vida. Precisa encontrar alguém.
Inventa uma dor no olho para ir à farmácia comprar um remédio que não tinha em casa. Segunda tentativa de fraude.

Estranho!
Sai de casa como se tivesse feito algo errado. Ninguém no corredor. Ufa, ainda estou no jogo. Ninguém no elevador. É! Estou conseguindo. Ninguém na portaria? Como assim? Onde está o porteiro? E a porta ainda está aberta. É bom sair antes que ele volte, deve estar no banheiro. Ninguém nas ruas, só alguns carros estacionados. Já não está feliz em estar no jogo. Dobra a esquina e a farmácia está fechada. Domingo, é isso.

Uns passos a mais e já está indo para a praia. Desistiu da brincadeira, não entende o que está acontecendo, quer ver pessoas. Dobra outra esquina e vê a orla azul e solitária, sem alma capaz de anunciar vida naquela imensidão.
Repara os cantos da cidade, os muros pichados, as casas estragadas, o lixo nas ruas, o cheiro da maresia. Para onde foram todos?
Já na faixa de areia as lágrimas são incontíveis. Restou você no mundo. Procura resposta no horizonte, nas pedras, no firmamento. Por quê? Como?

Em frente às ondas o cansaço vence e você adormece na praia, triste, deprimido, solitário.
Começa a chover. A água respinga em seu rosto e você acorda assustado vendo que a goteira da sua janela ainda vaza. 
Era um sonho!!!! 
Sem escovar os dentes ou trocar de roupa sai de casa correndo desesperadamente.

Ninguém no corredor.
Ninguém no elevador. 
Ninguém na portaria.

Como assim? Onde está o porteiro?
-Estou aqui senhor Carlos, bom dia.
- Bom dia Sr., Sr, Sr.
Quatro anos depois de ter me mudado, e hoje descobri que não sei o nome de nenhum dos porteiros.

Agora que você já sabe como é ficar alguns dias sem ver pessoas, imagine como é ficar alguns dias sem ser visto? E alguns anos? E uma vida? 
É bom parar um pouco, respirar, encontrar-se consigo mesmo... a princípio achará estranho, depois de algum tempo, quem sabe até bom.
No outro dia, quando sair de casa, você vai ficar muito mais feliz quando encontrar pessoas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário