quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Impotência jurídica

Calo-me como quem não tem nada a dizer,  mas na verdade estou sufocando do tanto que me engasga por não saber como vomitar toda essa angústia.
Hoje procurou-me um homem vulnerável, usuário de saúde mental, perdera os pais adotivos e por ironia do destino fora morar com o pai biológico vinte e oito anos depois de desconhecê-lo.
Acusado de crimes pela própria madrasta, ele reclamava de agressões, ofensas, racismo, mas no fundo ele queria reclamar da solidão.
Já tinha morado na rua, usado drogas, sido usado, ofendido, humilhado. Daqueles que não entram nem para as estatísticas... que a justiça ignora, que os homens não vêem, que a cidade não sente.
Tive pena do homem e vergonha de mim. Não poderia ajudá-lo e não sabia como dizer isto a ele.
Se o pai dele fosse preso por racismo, provavelmente a madrasta o expulsaria da casa onde está morando de favor.
Se pedisse para regularizar a distribuição de água no cortiço, todos ficariam sem água... (eram adeptos de gatos, daqueles que não miam). Ele reclamava que sofria retaliações até na hora de fazer as suas necessidades básicas, pois, fechavam o distribuidor sempre que ele ia usar o banheiro coletivo.
Situação jurídica completamente irregular, ou quase inexistente, considerando a mínima do direito de que o que não está nos autos não está no mundo. Assustam-me aqueles que ainda acreditam que as coisas podem funcionar assim. O mundo é pequeno, mas nem tanto.
"Esse não é um caso de advogados, nem de juizes", quis dizer para ele. "É um caso de psicológos, assistentes sociais, sociedade civil organizada, políticos, poetas... é muito mais do que essas questões que estamos discutindo". Calei-me.
O nome sujo na praça não é o maior gerador do descrédito proveniente da desautorização pela doença mental. Silenciaram um homem que se comunica tão bem. Articulado, inteligente e invisível.
Sonegado pela condição da loucura, da pobreza, da negritude, da solidão.
É um homem de bem.
Imagino como seria se tivesse carinho, apoio, estrutura mínima para caminhar... iria longe.
Mas por enquanto irá à audiência de amanhã.
Sugiro uma tentativa de conciliação entre o mundo real e o mundo jurídico.

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