...ainda não
consegui dizer para ela não ter tanto medo de ter medo. Ter medo é normal. É o
mínimo para quem tem algo a perder e se sente ameaçado. Queria dizer para ela
que não é ruim ter medo de escuro, de ladrão, de amores partidos ou bichos
ferozes.
Queria também dizer
que eu admiro muito as manobras radicais que ela faz com a vida, o seu destemor
às quedas, que nem chega a ser um destemor. É a crença maior na esperança de
levantar, de aprender com a queda.
Nossa... como eu amo
Berenice. Tenho vontade de ficar observando o seu dia a dia, a forma com a qual ela
reage às investidas mal torneadas do mundo. Seu sorriso ligeiro tomando a
frente dos passos certeiros e também dos vacilantes.
O tempo é doce com Berenice, as rugas na face, a flexibilidade limitada do corpo não tiraram
a beleza dos seus movimentos. Ela paira no ar, "inventa jeito" de
despistar as desilusões e dança assim mesmo, segurando no sofá ou com a bengala
na mão.
Ah, eu quero
envelhecer "que nem" Berenice, saudosa da juventude, acreditando nos sonhos não
realizados, contando mil vezes a mesma história com a mesma emoção, relembrando
os amigos, silenciando os sofrimentos, valorizando os seus nós.
Se Berenice não
existisse eu a inventaria, para alegrar mais o mundo, para eu descobrir o valor
das utopias, para eu acreditar nos homens.
Berenice, contudo,
receia coisas que eu também temo: que os homens não se conheçam e lutem sempre
com seus fantasmas. Guerreando sem consciência da morte, arriscando a vida por
nada, destruindo quadros que não poderão mais ser pintados, momentos que não
poderão mais ser vividos.
Não gosto das
antecipações de Berenice. Quando ela teme eu temo em dobro, pelo temor e por
ser ela quem teme. E não entendo quando ela tem medo de temer. O temor de temer
é rio sem fonte que nos afoga na primeira braçada.
Eu que amo Berenice,
amo mais quem a inventou. Seria inumano restar imune à tão curiosa
invenção. Nada é mais apaixonante que a humanidade à procura de
Berenices.
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