
Meu cachorro era cego, manco e sem dentes, lindo! Sonhava como ninguém. Tinha cheiro de profecias. Não dava ponto sem nó, não ficava sem cadela. Gostava de novela, até a das sete. Só não enxergava. Ia todos os dias ao boteco da esquina, paquerava as meninas; era correspondido.
Suspirava nas horas vagas, não tinha medo de praga, não gostava de tapete no chão. Possuía um calçado de pano oval com astros nas pontas, um planeta para cada um dos seus treze dedos: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Ceres, Plutão, Haumea, Makemake e Éris. Quatro na pata esquerda frontal, cinco na da direita e o restante na traseira.
Tinha três patas, corria como um atleta. Mas preferia andar calmamente. Possuia uma elegância inigualável. Só fazia xixi no seu busto esculpido no quintal. No lugar dos olhos mandei por duas bolas de gude de cores diferentes. Belas como o seu sorriso sem dentes.
Também não gostava de pente. Tinha pouco pêlo. Formoso, irresistível, não precisava de combustível, estava sempre com o tanque cheio. As cadelas o idolatravam. Sempre disposto. O terror das cachorrinhas; charmoso como nenhum outro cão para aquelas com mais idade. Disputado.
Morreu atropelado por um F-35C. Foi brincar com uma de suas pulgas e pulou alto demais, colidiram antes que pudesse atingir o marco zero da parábola. Esfarelou no ar tal poeira de vulcão, vulcão azul. A pulga sobreviveu, mas chorou muito a perda do amigo comensal. Foi em busca de outro cão com a certeza de nunca mais achar outro igual.
Quem o esculpiu está gozando até hoje.
Ana Míria Carinhanha
Gostei muito, msm n entendendo tanto :s, mas me fez lembrar do cão Beck :b Bjk
ResponderExcluirPS: Muito bala isso de "morreu atropelado por um F-35C enquanto pulando com pulga"!