terça-feira, 5 de março de 2013

Tomates e maçãs


Meu Deus, perdoe a minha ingratidão. Quantas vezes olhei para o céu e não tendo do que reclamar não fiz esforço para agradecer. Quando tudo vai bem a gente nem nota, normaliza o que tem de melhor todos os dias, e é preciso acontecer algum imprevisto que nos "tire" do conforto para que possamos dar valor a tudo que temos. Quantas vezes pensei em dizer: "obrigada meus Deus pelos meus sentidos perfeitos" e não disse!
Quando pensei em escrever esse texto, a primeira ideia que veio em minha cabeça foi: "que saudade de fazer as coisas mais banais como escovar os dentes, pentear o cabelo, tomar banho, cortar um tomate, ou até mesmo dormir sem sentir dor ou sem tanta dificuldade..." mas seria mais uma reclamação do que qualquer outra coisa.
Hoje uma limitação física na mão direita me incomoda bastante e me traz na lembrança momentos não muito distantes em que tive medo de perder a visão. Não pretendo supervalorizar um problema, pelo contrário, quero chamar a atenção de vocês (e a minha) para que sejamos mais gratos e percebamos como é bom poder se locomover nas ruas com liberdade, saborear uma sobremesa que a nossa avó faz com carinho, sentir o perfume de uma pessoa na rua, ou até mesmo o odor desagradável de uma comida estragada, dar risada e conversar com os colegas, admirar o por do sol, sentir em cada poro o mergulho quando se entra no mar, escutar uma música que você gosta, poder cantar, dançar, tocar e todas as outras coisas que fazemos cotidianamente com "normalidade" sem valorizar cada uma delas.
Em 2005 escrevi um texto no qual eu falava da magia de reconhecer algo positivo em nossas vidas sem precisar reconhecer anteriormente algo de negativo na vida do outro. Vou tentar ser mais clara: que tal tentarmos agradecer por ter o que comer sem que para isso precisemos nos comparar àqueles que tem fome; ou agradecer o lugar onde se dorme sem antes pensar nas pessoas que não o tem. A ideia parece egoísta, mas no meu entender vai muito além disso.
Não é agradecer o pão por temer a fome, ou o agasalho por medo do frio, nem o amigo por medo da solidão. Esse é um convite a começar a perceber a vida como pequenos orgasmos que se dão continuamente. A acordar e se espreguiçar na cama ocupando todos os espaços e se dando conta dos ossos, dos músculos, dos órgãos, da respiração. Agradecer como um ato de entrega a si mesmo.
Não é temer o oposto ou a falta. É a ideia de agradecer sem contrapartida, sem precisar se projetar na dificuldade do o outro, ou seja, potencializar o seu agradecimento com relação ao prazer que aquilo te traz, o agradecimento sem culpa, sincero. Porque na verdade um agradecimento pode passar pelo medo de não ter algo que se tem ou que se visa a ter, pela perda ou pela não conquista; ou pode simplesmente ser resultado de um reconhecimento "involuntário" e "inconsciente" de algo que você gosta. Como acordar e simplesmente sorrir porque está vivo.
Não fosse o meu dedo enfaixado me gritando o quanto eu me contradigo neste texto eu seria cínica. Mas prefiro agradecer também à minha contradição. É bom poder ser contraditória e encontrar razão nas contradições, porque ambas me fazem sentido. Sim, quero meu dedo de volta, quero fazer de novo as coisas banais sem dor ou dificuldade, quero cortar meus tomates, porque não quero comê-los como se fossem maçãs; quero lavar a louça com as mãos, mesmo tendo máquina de lavar em casa. E quero também agradecer mais, inclusive por aquelas coisas das quais eu nunca senti falta, daquilo que talvez eu nem saiba que eu tenha, mas eu quero agradecer. Agradeço o querer. Ainda que por vezes sem poder; desejar talvez seja uma das maiores conquistas do homem. E hoje só o que eu desejo é agradecer.

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