quinta-feira, 3 de junho de 2010

Apenas um registro.


Plac. Plac. Plac. Carimbou as três folhas seguidamente sem nem olhar para mim. Manipulava-as com pressa e agilidade.
Trabalha aqui há anos, pensei. Também pelo seu humor, característico de quem não gosta da rotina que leva.
Quis perguntar algo, mas não houve abertura alguma. A velocidade com que manuseava a pasta e os papéis faria qualquer sujeito sentir-se mal vendo seus dados, fotos e composições dançarem um prelúdio em fusa nas mãos daquela senhora.
Queria vencer a impressão que tive quando ao entrar na sala timidamente, sentei-me. E, como um atleta que consegue um lugar ao pódio e o juiz manda-o descer dizendo que foi pego no exame anti doping, de repente, lá estava eu com as mãos vazias.
- Dá licença aqui, minha filhinha. (Puxou a pasta da minha mão para retirar os papéis que queria).
O rigor dos movimentos destoavam da sua aparência frágil.
Tal qual uma criança que vê o bixo papão aproximar-se do coleguinha, muito sem jeito ainda pedi a pasta de volta para separar papéis que não seriam usados por ela. Coisas pessoais, tão pessoais quanto às músicas que ela carimbara com tanto “empenho”.
- Não, pode deixar, vou separar só o que eu quero.
Vap, vap, vap. Logo estava eu, de novo, com meus papéis inúteis nas mãos. Agora sem pasta, sem xerox de RG, CPF, comprovante de residência e sem a cópia das músicas e do comprovante de pagamento da GRU. Conferi o que tinha em mãos e ergui a cabeça sem entender muito bem o que acontecia. Acho que tive vontade de pedir tudo de volta e sair sem fazer o que me levara até ali: APENAS UM REGISTRO.
Ela estava fazendo exatamente o que deveria fazer, de acordo com os desígnios de suas funções para exercer determinado cargo, em determinado local, durante determinado tempo, atendendo a pessoas determinadas que, preenchendo os requisitos determinados, atenderiam às suas determinações. Nada além disso, mas qualquer um entenderia o porquê da minha inquietude.
- Preencha essa ficha, assine aqui, aqui e aqui.
Três “Xis” determinavam onde eu deveria atuar naquele momento. Talvez o silêncio fosse mais terno que o barulho daqueles papéis cortando o ar como mísseis ferozes.
- Pronto.
Terminado. Levantou a cabeça e pela primeira vez e olhou-me como se estivesse pedindo para que eu saísse logo. Recolhi as minhas coisas e me preparando para sair:
Crap. Olhei para trás e fiz meu segundo contato visual com o convite para me retirar.
- Você vai esperar noventa dias para receber o certificado em sua casa, se não o receber até o dia 02 de setembro pode ligar para esse número (apontou o número no papel). Se ligar antes do prazo vai ter que pagar a taxa de novo, tá escrito aí.
- Obrigada.
- De nada.
Saí com um número de protocolo em mãos e uma impressão que quis registrar aqui, talvez com um pouco menos de agilidade, isso é inegável, porém, com muito mais prazer. Apenas um registro.

(Ana Míria Carinhanha)

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