sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

À Luis Alberto Warat

Foi-se um mestre, mas receio em dizer que o céu é o seu destino. Não por não merecê-lo, mas porque reduzir a sua nova trajetória a um determinismo maniqueísta imposto pela religião seria declará-lo menor do que se mostrou ser.

Diria que agora visita vários céus, como um cronópio viajante, e que não me surpreenderia se a partir de agora choverem confetes e serpentinas nos dias mais inusitados.

Foi fazer outros carnavais em novos lugares.

O pouco tempo de convivência foi suficiente para perceber a simplicidade e grandeza de um homem intenso. A paixão dos seus discípulos me impediu de ignorar um acontecimento novo: ali esteve e está um sujeito transgressor. Sujeito. Transgressor.

Fez do amor uma utopia real, presente em seus discursos, em suas ações, em suas alucinações.

Nos momentos burocráticos mais tensos conseguiu nos fazer perceber que a vida é algo além de tudo isso, algo bom, gostoso, poético, erótico.

Falo com pernas vacilantes de quem inicia uma caminhada com grandes pretensões, insegura, mas com a convicção de ter visto em muitas pessoas que admiro a admiração que têm por você.

Não sei se estou triste, e não acho que seja ruim não saber. Por mais que saibamos que uma hora esse momento chega, acho que nunca o esperamos.

Estou estranhamente (amargamente) feliz, por reconhecer em você novas possibilidades para o mundo. Possibilidades de sonhar, levantar contentes, reconhecer a beleza em coisas simples, comer as horas em sabores mais diversos, viajar sem planos, cantar...

Estas possibilidades ficarão em seus escritos; em suas ações que acabaram me atingindo por efeito dominó. Jogo de pedras infinitas, multicores e reluzentes que ainda se multiplicam com suas palavras e os sentimentos que despertou.

A sua existência nos permitiu ser mais livres, nos permitiu sermos nós, os outros, e enfim nós (de novo) com um sentimento mais humano acerca do que nos toca.

E em nome de outros me sinto confortável para dizer que você nos tocou, e continuará existindo dentro de nós.

Obrigada por tudo. Por nos mostrar que a vida é sempre um grande começo. E por hoje podermos desejar a você com suas próprias palavras um bom (re)começo.

Começar :

"... é poder ver as coisas pela primeira vez, ainda que as tenha visto setenta mil vezes antes. Estar sempre virginalmente diante do mundo (apesar de os famas nos agredirem chamando-nos de imprevisíveis, de nunca contar com os olhares de adãos para um fazer esperado...). Começar é poder conservar o olhar de Adão, logo, imediatamente, no segundo instante de haver mordido a maçã... Começar é perguntar-se como se começa apesar de ter feito uma infinidade de vezes antes esse mesmo trabalho. Isso vale para o amor ou qualquer outra produção de nutrientes; vale também para dotar de poesia qualquer rotina, para tudo o que sempre ameaça passar igual no correr dos dias. Perguntar-se como começar de forma constante é a possibilidade de sair de qualquer rotina. É a arte que esconde todo começo. É o primeiro segredo da arte de amar." (Warat, Luis Alberto).

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