sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Não, nós não somos heróis!

A caixa na roda dos miseráveis
Soma dores para enterrar seus mortos
O choro contido na face rígida
Sobe a ladeira com revolta e desilusão
E os lábios negros do asfalto ainda estão sujos
Do sangue dos negros do barro

Pequenas lanças de pólvora
Chegaram sem avisar
Seu barulho cortando os ares
Não esperou a pipa subir no céu
Não é tempo de brincadeira
E a vontade de infância desmanchou-se no chão

O mundo de “sem razões” faz correr
Os que viram no asfalto o seu retrato
Sem lança, sem pipa, sem céu, sem chão
O asfalto lambe o vapor da noite
Que o dia cospe na cara da rua

Não, não somos heróis
E o pesadelo se anuncia real
A impotência, o desconsolo, a revolta, o medo
Descaso obsidiador. Perversidade programada.
Alimentando o lobo dentro do lobo
Indigestão certa de um banquete sem sonhos

As vielas respiram temerosas
O dia que amanhece sozinho
A calmaria e o silêncio: falsa paz que se anuncia
O pânico das ausências, do desamparo
E das presenças mal quistas (- Corre! Polícia).
Na sua injustificável missão de guerra

São os nossos filhos na escada da vida
Calados, o grito salta-lhes aos olhos
Estão sem direção
Gira mundo, roda peão.
Quem diria, as seqüelas da morte
Apontarem os marcos da renovação

Cedo chegam os que vendem notícia
Buscam os palhaços do seu picadeiro
Espetáculo em brasa e cinza
- Houve ou não houve pipa e morteiro?
- Não! Só as pequenas lanças de pólvora, vindo de uma única direção.
E os já conhecidos tiros de canhão

Canhão de gozo e maldade
A colocar grilhões na rebelião
A calar os meninos que correm
As mães que se acuam
Os homens que fogem
Canhões de imatéria (quem os vencerão?)

Quantos anos mais de anistia
Aos canhões da hegemonia
Ferem, machucam, humilham, maltratam
E se escondem por trás dos postes
Únicas testemunhas do banquete do asfalto
A beber o sangue do vapor pelo chão

Toque de recolher. (Essa causa é ou não é sua?)
Mudar de calcada é ingenuidade.
A questão é mais complexa que a largura da rua
E que a (des)nudez da cidade.
Não! Não somos super heróis
E os canhões estão em nossas casas esperando por nós.

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