Pedido de relaxamento negado.
Já cumprira um sexto da pena, tinha direito à progressão de regime, iria para o semi-aberto.
Lembraram-lhe do direito de permanecer calado. (O que não iria fazer muita diferença já que ele não entendia muitas das coisas que aconteciam ali, e o advogado provavelmente o teria aconselhado a ficar calado. Então, mesmo que quisesse falar não poderia ultrapassar o inteligível e o combinado).
Falou apenas que aquilo que diziam não era verdade...
- ... estava dormindo na casa da minha irmã quando os policiais entraram e procuravam algo. Encontraram celulares, monitores, mas não encontraram drogas, barbantes, sacos plásticos, barbantes. O dinheiro que eles acharam era da minha irmã que ia comprar uma casa.
Perguntaram quanto ele ganhava; respondeu: - 50 a 60 reais por dia; era motoboy. Autônomo.
Se nunca tinha sido preso ou processado criminalmente
- Primeira e última.
Se era usuário de drogas.
- De maconha.
Ainda tentou dizer que apanhou muito na delegacia, mas não deram muita importância. Era normal.
Entram as testemunhas e prossegue-se o rito.
Sem muitas perguntas, nem da defesa, nem da acusação, nem da juíza. É como se todos soubessem exatamente o que tivesse acontecido. Agiam com uma harmonia misteriosamente interessante.
E é um tal de riso sem razão que até agora não consegui entender racionalmente. Restou-me a intuição de caracterizá-lo como desespero.
O réu com roupas da Nike e Adidas, provavelmente falsificadas (é o que penso; talvez não sejam), o advogado de terno, os policiais fardados, com todas as suas armas, a promotora de vermelho, combinante do batom às unhas, e a juíza, tão frágil, tão pequena, tão poderosa com as suas roupas de grife, que provavelmente sonegou alguns impostos; e nós, estagiários, vestidos a caráter: aprendizes do poder.
Ainda mantiveram um discurso velado de que aquele era um peixe pequeno. Sabiam que a ressocialização era um mito e, por mais de demonstrassem vontade de mudança, seguiram o rito, ordinário rito (não em procedimento, mas em qualidade).
Loucos para ir embora reduziam o número das testemunhas, das perguntas, da performace. Todos ali sabiam que aquilo era um teatro apenas, pró-forma. E pior, sem ápice, sem catarse, sem surpresas.
No mesmo cubículo muitos vilões; por motivos e (in)compreensões diversas. Muitos criminosos em diversos níveis.
Coitados daqueles para os quais se retira a venda para punir.
Por uma questão de ordem, quase que de saúde mental, fomos embora sem muitas perguntas. Conformados, desiludidos, tristes, revoltados, desesperançosos. Ordinários.