quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Vara de tóxicos – Rito especial sumário. Mais um entre os ordinários.

Pedido de relaxamento negado.

Já cumprira um sexto da pena, tinha direito à progressão de regime, iria para o semi-aberto.

Lembraram-lhe do direito de permanecer calado. (O que não iria fazer muita diferença já que ele não entendia muitas das coisas que aconteciam ali, e o advogado provavelmente o teria aconselhado a ficar calado. Então, mesmo que quisesse falar não poderia ultrapassar o inteligível e o combinado).

Falou apenas que aquilo que diziam não era verdade...

- ... estava dormindo na casa da minha irmã quando os policiais entraram e procuravam algo. Encontraram celulares, monitores, mas não encontraram drogas, barbantes, sacos plásticos, barbantes. O dinheiro que eles acharam era da minha irmã que ia comprar uma casa.

Perguntaram quanto ele ganhava; respondeu: - 50 a 60 reais por dia; era motoboy. Autônomo.

Se nunca tinha sido preso ou processado criminalmente

- Primeira e última.

Se era usuário de drogas.

- De maconha.

Ainda tentou dizer que apanhou muito na delegacia, mas não deram muita importância. Era normal.

Entram as testemunhas e prossegue-se o rito.

Sem muitas perguntas, nem da defesa, nem da acusação, nem da juíza. É como se todos soubessem exatamente o que tivesse acontecido. Agiam com uma harmonia misteriosamente interessante.

E é um tal de riso sem razão que até agora não consegui entender racionalmente. Restou-me a intuição de caracterizá-lo como desespero.

O réu com roupas da Nike e Adidas, provavelmente falsificadas (é o que penso; talvez não sejam), o advogado de terno, os policiais fardados, com todas as suas armas, a promotora de vermelho, combinante do batom às unhas, e a juíza, tão frágil, tão pequena, tão poderosa com as suas roupas de grife, que provavelmente sonegou alguns impostos; e nós, estagiários, vestidos a caráter: aprendizes do poder.

Ainda mantiveram um discurso velado de que aquele era um peixe pequeno. Sabiam que a ressocialização era um mito e, por mais de demonstrassem vontade de mudança, seguiram o rito, ordinário rito (não em procedimento, mas em qualidade).

Loucos para ir embora reduziam o número das testemunhas, das perguntas, da performace. Todos ali sabiam que aquilo era um teatro apenas, pró-forma. E pior, sem ápice, sem catarse, sem surpresas.

No mesmo cubículo muitos vilões; por motivos e (in)compreensões diversas. Muitos criminosos em diversos níveis. 

Coitados daqueles para os quais se retira a venda para punir.

Por uma questão de ordem, quase que de saúde mental, fomos embora sem muitas perguntas. Conformados, desiludidos, tristes, revoltados, desesperançosos. Ordinários.

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