quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Dissociação intuitiva

"Eu não preciso mais de você..."

Era tudo o que alguém não precisava escutar em uma noite como aquela, após uma semana cansativa e estressante, receber uma "notícia" dessa era mais forte que a vinheta do "Plantão Globo" na hora do almoço. Foi um belo soco no estômago. Não sei porquê, mas me lembrei do dia do desastre das torres gêmeas, senti a implosão em mim.

Deitei para descansar um pouco, mas não consegui sequer dormir. Era mais grave do que pensei. Para mim, dormir depois do almoço é mais fácil que respirar. E aquilo me incomodava. As palavras repetiam-se randomicamente "você" "de" "não" "preciso" "eu" "mais"... aquilo me enjoava. Corri no banheiro quase sem tempo para levantar a tampa do vaso sanitário. Vomitei duas vezes. Na primeira o "eu", e depois o "não preciso mais de você" saiu de vez, num jato só.

Era como se eu não quisesse me livrar daquilo. Olhava a sopa de letras na água turva e ainda pensei um pouco antes de dar descarga. Vacilei mas o fiz, apertei o botão acompanhando as letras que se embaralhavam de novo em minha frente "mais" "de" "você" "não" "preciso" "eu"... desceram cano abaixo rindo da minha cara.

Já quase chorando deitei de novo na cama. Ainda sem conseguir dormir, liguei o rádio e Ed Sheeran fez questão de me dizer "you need me, but I don't need you"... Tive vontade de arremessar o rádio pela varanda, destruindo inclusive a janela, mas então eu me lembrei que eu precisava dela (apesar dela não precisar de mim).

Desconsolada com as coincidências, comecei a escrever para ver se esquecia isso tudo, mas não deu outra. As primeiras palavras que o teclado me sugeriu foram "eu não preciso mais de você". Imaginei-me bebendo a água da privada. Que merda! Porquê é tão difícil se livrar disso. Ok, ok! Nem todas as pessoas são "precisadas" na vida umas das outras. Existem várias pessoas que não precisam de mim, eu não preciso de várias pessoas, etc... Porque esta em particular me incomoda tanto?

Abdiquei da escrita. E o sono parecia ter se abdicado de mim. Levantei, comecei a andar pela casa. Na prateleira os livros me remetiam a uma leitura repetida. Exceto a biografia de Flávio José, naquela brochura amarela que pela primeira vez na vida me chamara a atenção. Comecei a folheá-lo e logo ali, na décima segunda página eu li a seguinte estrofe: "Eu não preciso de você/ o mundo é grande e o destino me espera/ não é você quem vai me dar a primavera/ as flores lindas que eu sonhei no meu verão...".

Ri alto! Enquanto lia a canção, imaginava a voz do matuto cantando aquela música. Conseguia até ouvir os acordes da sanfona. Era quase uma zombação. Segui na brincadeira. Imaginei um forró no interior. Quase uma regressão. Minha adolescência nas ruas sem calçamento das cidades do interior em época em São João, os namorados, os quentões, as bandeirolas, as bandas da praça.

Quer saber? Liguei o som e cantei junto: "Eu não preciso de você/ já fiz de tudo pra mudar meu endereço/ já revirei a minha vida pelo avesso/ Juro por Deus não encontrei você mais não...". Dancei no meio da sala, suei, me diverti com o sotaque sertanejo, ai que saudade da minha gente. Parece que deu certo tanta coincidência, tô aqui me perguntando quem foi "Mestre Osvaldo". Será que alguém já disse para ele "Eu não preciso mais de você"...?

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