quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

prematuro

Parimos um filho
Sem nome até hoje
Concebido com muito amor,
Mas não sem dor e sangue

Morreu prematuro
Sem que muitos soubessem
Da longa gestação...
E são tantas lembranças

Cheiros, roupas, lugares, sentimentos,
Mudanças,
Registros guardados
Chorou, respirou, sorriu, adormeceu

Foram tantos os delírios,
pôres-do-sol, noites em claro,
A convulsão foi maior que os panos quentes
Que nunca existiram

Chamaremos de fim

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

De que serve um caminho cheio de retas
Se é nas curvas que os corpos se inclinam

sábado, 1 de abril de 2017

Dessorção

                      Dos atropelos da vida o do vácuo talvez seja o mais cruel

                               

                                                    Aos pedaços em suspensão

 Não consigo sequer me equilibrar da suposta queda
                                                  Sem chão, sem ruídos, sem matéria, sem emoção

                                                                                Sem pressão
                                              Só vazio




                                                                                                  Faz frio



                                                              Enfrento em vão a quinta essência
                                                                                                                   

                                                                                                                         Eu


Corpo estranho nesse não lugar

                                                                                               muito frio

                                                                                                               Não há resistência,
                                             Não há suporte,
Não há nada

                                              ...
                        sem ar

desvaneço

                                                   Foram 15 segundos de sensações terríveis

                                                                                                            Fluidos em ebulição

                         O coração gelado já não pulsa

Morri
                                  por
       nada.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Deus de quintal II

Lá estão os deuses me sorrindo
Nas tardes de domingo no quintal da casa da minha avó
Descascando laranja,
Colocando o pequi para secar ao sol,
Alimentando as galinhas
Tirando os bichos de porco das pontas dos dedos.

Reconhecia a divindade nas piadas infantis do meu avô
No cachorro que corria atrás do sarigué e sangrava-o até a morte
Nas mangueiras, goiabeiras, cafezais
Em Judith, cágado de passo lento, firme e certeiro
Que morava debaixo da sombra do abacateiro

O fundo da casa da minha avó não era um quintal,
Não era só um jardim, era mais que um terreiro
Era onde Deus morava e brincava com a gente
Caçava minhocas e borboletas
Brincava de pique esconde, subia em árvore, corria
E caia

Éramos felizes
Éramos deuses
E ninguém precisava acreditar em nada disso
Porque minha avó sempre saia na porta batendo o pilão e gritando:
Olha a merenda!

Deus de quintal I

Se Deus ou Deuses existem e podem nos ver
Se ele ou eles tem algum plano ou desejo para/por nós
Não sei dizer se estão contentes
Mas acredito que se divirtam
Pelo menos comigo.

É curioso pensar que nos movem o medo e o suborno
Do inferno ao céu e vice versa
Tendo a morte como intermédio
Nos ensinam do jeito mais vil a ética utilitária
Metafísica da fé

Em nome desta nos animalizaram,
escravizaram,
almatizaram,
embranqueceram,
corromperam, deterioraram...

De que me serve uma fé não genuína?
As promessas incertas, boas e ruins, paralisam, iludem.
Movimentam como onda que aterrissa na areia
e se esparrama sem saber para onde...
Se é gota que penetra o solo,
Ou se é gota que volta para o mar.

Entre o ir e o ficar...
Na dúvida, é-vapor-ar
Tomo os céus
Tenho sedes de horizontes
Que me queimam ao cair dar tardes
Ou me molham com as neblinas da madrugada

Se existe um Deus ou deuses,
Certamente habitam os ares
E passam temporadas com as avós gordas, negras e de bem com a vida
Brincando com as crianças nos quintais do interior da Bahia.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Crônicas do Rio - Enquanto eles se batem dê um rolê!

Da dor que me dói só quero o estrago,
O fim da cena,
O assalto

Afaste o medo,
A arma em punho,
O sangue

Leve o sereno,
O frio, o silêncio, o corte
Deixe apenas a morte

Era madrugada, as crianças se revezavam no quebra-molas improvisado no início da rua. Corre, grita, apita. Tudo muito natural para quem tudo ali era estranho. O carro preto desce as ruas estreitas e sinuosas da favela. Um homem sai correndo do bar e grita. Insistentemente, grita. Walk toques anunciam nossa descida. A cada curva é mais nítida a sensação que estamos sendo esperados. Esperadas. Na quarta curva, com a pistola em punho, nos para o cidadão. - Desce do carro -, Fala para o motorista. Espero aflita a execução que não se dá. O primeiro tiro seguido de muitos. A primeira respiração seguida da apneia. Tudo em suspenso no campo das ideias. O homem armado corre ao lado do carro e grita "tranquilo". Depois de ter nos feito jurar que não havia "nada" conosco no veículo e nos questionar se tínhamos "certeza", nos promete uma recepção com fuzis e metralhadoras. Noite confusa. Apreensivos, reféns assegurados pelo cidadão armado que grita enquanto corre ao lado do carro, éramos nós e a sensação precisa de ser um peixe de rio fora do aquário. "Tranquilo, tranquilo...", As luzes da cidade logo nos iriam relembrar que não era nada daquilo, ou que era tudo mais do mesmo!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

De última hora, habitantes na garagem...

Ressignificar contextos estruturais é tarefa de sísifo,
Signos, significantes e significados reformulados em descodificação,
Dialogir-se em outros em "cuidar de si",
Cuidamos de nós.
O que fica é a gratidão, a ternura, a risada, o aconchego e o desejo de que nos reencontremos em breve com tantas outras histórias para contar.
As despedidas são mesmo de apertar os corações dos passantes, mas não é assim que vejo... um até breve em fermata é o que sinto. Cabem colcheias, semicolcheias, fusas... no tempo que dermos.
É bom encontrar nos caminhos pensantes-sensíveis-sonhadores, nesse pedacinho de travessia vocês me foram luz, me foram chão, me foram mãos, me foram garagem, metáfora da qual me sirvo para dizer que habitar aqueles metros quadrados em situação de entrega e desapego é apenas um retrato da nossa cumplicidade em compartir sonhos, sentidos, desejos de mudança e emoções.
Sinto-me grata e feliz em reconhecer um pouco de mim em cada um de vocês, em poder termos aprendido juntos, não só academicamente, mas na vida. Sinto-me honrada em poder ter trabalhado com vocês, profissionais preocupados com a qualidade de um "produto" que é muito mais "processo" do que "resultado". Sinto-me incomodada em perceber que ainda temos muito a galgar em termos de reconhecimento, paz de espírito e satisfação. Mas ao mesmo tempo sei que na minha inquietude e insatisfação moram os anseios mais revolucionários de humanização e autonomia do outro e de nós mesmos.
Sinto ainda que não somos senhores da nossa pedagogia, e, com todas as implicações e contingentes que a provocam e resultam da mesma, respectivamente, sinto também que não nos fazemos vassalos das nossas limitações, tampouco suserano das nossas potencialidades. Somos apenas cronópios (para que não conhece, indico a leitura de Cortázar) idealistas, sensíveis, ingênuos, e, por isso mesmo, capazes de mudar o mundo. Obrigada por dividirem comigo este sonho. Até breve!

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Das loucuras

As loucuras que às vezes me visitam,
Conversam comigo, choram, gritam,
Depois vão embora e me deixam só.
Não sem traumas, mas também sem cobranças,
Liberdade que gosto de ter.

É por isso que deixo que venham,
Porque elas vão e voltam,
Sem que eu as convide,
Sem que se despeçam,
Sem que me limitem,
Sem que me subesmitem.

Uma delas é cega e a outra é surda,
Irmãs que andam juntas não só por complementaridade,
Se amam,
Mas também brigam
Muito

É bonito quando elas se preocupam comigo,
Se estou triste e choro
Uma delas me põe lápis e papel na mão e pede que eu escreva,
Ou me traz os estojos de tinta e as telas.
É surda essa minha loucura

A outra se irrita, não pode ver, não pode ler...
É mais agitada...
Pede que eu toque, que eu cante, que eu dance com ela,
Então ela me toma pelas mãos e me embala,
Já viramos muitas noites juntas.

Ah, como eu amo as minhas loucuras,
Cada uma em suas limitações,
Me dão tato,
Me constroem chão.





Comptine d'un autre été

Por muitas vezes já vivi essa sensação de estar presa em uma música,
Mas essa me acompanha de maneira singular:
Comptine d'un autre été de Yann Tiersen, é lá que me encontro há mais de um ano.

Já conhecia a canção antes de me aprisionar e não sei exatamente o que mudou desde que me descobri ali
Não sei a causa, se por vontade ou distração, mas gosto de ter esse refúgio onde minha alma se abandona,
A queda é livre, constante e infinita,

Sentir o vento me faz compreender as dimensões do meu corpo
Tocar seus ares com a ponta dos dedos enquanto caio...
... brincar de revirar... rajadas no rosto, golfadas na nuca...

Pausas despretenciosas, mortais,
Fusas, semi-fusas, colcheias, fermatas,
A itensidade percussiva nas teclas,
a alternância de graves e  agudos...

Emudeço,
Preciso parar, fechar os olhos,
Respirar...
Ar... é tudo ar em volta de mim

A predominância de agudos se impõe,
O chão está próximo,
A aceleração rompe a constância
Todos os hertz a me aletar do tombo

Mas os graves vêm em minha defesa,
Lançam teias sob o meu corpo que se quebram enquanto caio
E me amortecem, me acolhem, me abraçam,
Por um instante flutuo e a queda se anuncia pouso

A mão esquerda prepara o final do mergulho,
A direita aponta o caminho,
A respiração se reorganiza,
Inter-calada.

O eu que pulsa

Trago o tempo com ervas finas,
De dentro da boca saem tufões,
Redemoinhos longos de fumaça em dispersão

Assopro
[fuhhhhh...]

Respiro
Lenta

Olhos fechados, sentidos apurados,
O coração que pulsa,
Os músculos do meu rosto,
Meu suor,
O som da minha respiração,
Os fragmentos que me compõem.

Os músculos do meu suor,
O som do meu rosto,
Os fragmentos do meu coração,
O eu que pulsa.

Sinto-me transitória ao compreender-me viva
E o inverso também me identifica

Eis-me parte transmutada em todo,
onda na rebentação.