sábado, 7 de agosto de 2010

Também quer fazer ciência?

Então falemos da famigerada ciência, seus postuados e seus autores.
Invoquemos neutralidade e objetividade quase que como sobriedade:
-Respeitem os seus mestres.
-Você aí, cale-se! Deixe de blasfêmias, não pode dizer isso, não quero nem escutar. Quem é você? Como quer discutir comigo? VOCÊ SABE QUEM EU ESTOU CITANDO?
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As firulas e os diplomas são bem quistos pelas bocas e prateleiras.
Distinguir grandes teorias e as falácias implica em saber, preliminarmente, quem são seus autores. E não se iludam, na academia isso acontece bastante. A respeitabilidade do mestre (por medo ou admiração) e a necessidade de se justificar conta mais que a justificativa.
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Catequizados, domesticados, prontos para repetir, reproduzir os grandes enunciados, tornaram difícil e, ao mesmo tempo, glorioso o aparecimento dos gênios que conseguem superar os grandes discursos; e também dos marginais que tentam desbancar esses novos gênios. Romper com esse ciclo quando ainda não se tem os super-poderes da autoridade do discurso é uma tarefa árdua que nem todos conseguem realizar.
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É curioso perceber que conseguimos superar esse problema quando falamos, por exemplo, de Aristóteles ou Monteiro Lobato. Sabemos diferenciar a validade dos seus argumentos e a credibilidade de sua literatura frente a resquícios de preconceito ou imperialismo existentes em sua história. Mas somos incapazes de nos indignar contra as perseguições penais que sofrem as parteiras e curandeiras por praticarem as ações que praticavam antes mesmo da vigência do Código Penal ou da “evolução” das práticas medicinais alcançarem o seu contexto social.
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Convencimento, racionalidade, imposição. Vaidade, força, poder, capacidade argumentativa. Que relação você enxerga existir entre eles? Saber “mais e melhor” sobre algo numa sociedade tão diferente como a nossa implica admitir que as opiniões também são diferentes. O conhecimento não é único, não existe só uma verdade que leva à vida. E nem o erro é um monstro a ser evitado, ele faz parte da “tentativa de ciência”, e não pode ser expurgado a mercê da comodidade dos paradigmas estabelecidos, ou da insegurança provocada pela mudança.
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Tanto quisemos “diagnosticar” o conhecimento, a metodologia científica, os seres, as coisas, os sentimentos, e reduzir tudo isso em fórmulas e em teorias infalíveis que negamos, cada vez mais, os sujeitos. Mais cedo ou mais tarde teremos que admitir o nosso equívoco, até mesmo nas nossas constatações mais cartesianas.
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Parece que Voltaire não deixou bons seguidores. Temos nos esforçado cada vez mais em aprender artifícios para tratar de forma eufemística a nossa incapacidade em ouvir uma opinião divergente da nossa. Insistimos em fechar as portas e janelas fechadas para testar ver a potência das nossas lâmpadas quando sabemos que a luz do sol lá fora ainda ilumina melhor. Temos noção do perigo de trancar essa casa quando o assunto é ciência? Emoldurando nas mesmas formas, repetimos as mesmas fórmulas, e, conseqüentemente, reproduzimos os mesmos valores, muitas vezes rasteiros e preconceituosos.
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A ingenuidade consiste na idéia de admitir uma ciência isenta. Como um palco a ser iluminado por um holofote, a ciência também escolhe, seleciona onde será mirado o canhão de luz e também a parte que ficará na escuridão. Ao contrário do que querem nos fazer acreditar, a ciência é feita de vários verbos que vão além da objetividade e da imparcialidade mencionada (selecionar, excluir, incluir, valorar...). Sim, valorar! A menção sobre a neutralidade epistemológica foi a ejaculação precoce da ciência. É impossível que o sujeito se anule completamente diante de uma pesquisa ou projeto.
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A ciência nos dá fatias da realidade, se é que ela existe. Problemático é, portanto, que essa realidade seja a “realidade dos mestres”, inquestionável e repetível sob o argumento da falsa neutralidade axiológica no discurso científico. Nessa construção (realidade) existem os mais diversos tijolos (argumentos) e muito cimento (ideologia). E não podemos negar que não há construção sem que tijolos e cimento estejam juntos. Argumento e ideologia andam de mãos dadas. Para fazer ciência, carecemos, portanto, da superação das autoridades.
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Os contextos plurais, a complexidade das relações humanas e a especialização do conhecimento são incompatíveis com a figura do sábio universal. Precisamos, contudo, estar alertas. Não podemos atribuir à capacidade técnica a mesma sacralização que outrora criticamos no prestígio dos mestres.
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De fato, a teoria da objetividade e insetabilidade dos sujeitos não convence mais. Sim, os juizos de valor também estão presentes nos discursos científicos, ainda que por omissão. Mas, como domar os instintos e a ideologia sem corromper o método, a sistematização e o rigor lógico?
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Os juízos de valor estão impregnados de ideologia. Longe de estar fazendo apologia ao atavismo irracional, mas criticando o que temos hoje por ciência, acredito que podemos sim investir na lógica, na reflexão e no método, mas é preciso compreender que eles são tão falíveis quanto a fantasia. Na verdade, o que há é uma fantasia submetida ao rigor do método.
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É impossível saber tudo de tudo, mas do pouco que sei, se é que eu sei, ficam algumas palavras, quase que como um conselho. De fato, não é uma ordem. Até porque não gozo de autoridade para tal. Pensem nisso.
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Ana Míria Carinhanha

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