segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Eu vi aquelas mãos mudarem de cor

Aquelas mãos se amaram
Em movimentos suaves e sugestivos.
Nunca imaginaria tamanha expressividade  em uma dezena de dedos.
Multiplicavam-se no ar.
Desenhavam sentidos.
Insinuavam posições.

Quem diria,
Alguns dedos...
Tinham uma poética singular.
Olhava-os procurando entender a magia.
Mas não conseguia.
Existia algo ali que não conseguiria explicar.

Entrelaçavam-se para além da soma dos corpos.
Encarnavam divindades.
Na tela da TV os tons de azul embaçavam mais a visão.
As pálpebras cerradas procurando distinguir o real e a ficção.
E confundindo mais ainda o amontoar de corpos no colchão
Acordei assustada, era madrugada...

Apalpei ao meu redor na cama.
Estava vazia?
Sonho. Ou pesadelo...
Olhei as palmas das mãos como quem procura o coelho na cartola.
Cor de carne.
Na seqüência: o prazer e a frustração.

O vestido preto e os pés sujos de areia.
Na frente, o tortuoso caminho de casa.
O dia insistia em brilhar do lado de fora da janela.
Cortinas fechadas para evitar a luz, teimosa luz.
Invadia o quarto desesperada.
E eu ali deitada.

O dia seria longo.
Precisava descansar.
Mas os sonhos malucos
Insistiam em me atormentar.
A garrafa de licor já estava no fim.
E aqueles poucos goles que restavam foram suficientes pra mim.

Dormi como um anjo.
A boca e a tosse secas incomodaram um pouco.
Muito menos do que aquele sonho louco, é verdade.
Mas o que mais me atormentou aquela noite
Não foram os dedos, nem a areia, nem o vestido, nem a ressaca.
Foram os resquícios de realidade.

Procurava um álibi. 
Mas tudo era denúncia em potencial.
Bem que alguém poderia ter gritado. 
Para que eu pudesse ter acordado.
Sem medo do julgamento
Do amanhã que seria fatal . 

Como poderia me olhar no espelho 
E encarar a covardia 
De quem viu a dança das mãos 
Entrelaçadas no mesmo ritmo 
Do frenesi que anunciava a traição.
Corre, corre, pega ladrão. 

A buzina dos carros começava a incomodar mais que a claridade. 
Ledo engano, dura realidade.  
Precisava mesmo levantar
Dormindo e acordando tanto. 
Sem nem conseguir distinguir o riso e o pranto. 
Corri sem rumo pela cidade, mas não conseguia chegar.

Acho que ainda não consegui. Nem vou... (ainda é incerto o onde)
Mirar as mãos esperando que mudem de cor é habitual.
Mal sinal. 
De fato, isso tudo não é normal. 
Nem a ressaca, nem os dedos, nem a areia, nem o vestido. 
Fazem parte disso que chamamos de vida: loucura banal.


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